Presença

Capítulo II - Descoberta e Presença

22. Descrição

Trata-se menos de construir o mundo do que de descrevê-lo.

Pensou-se durante muito tempo que só se podia compreender aquilo que se era capaz de construir. Nisso consiste a própria ambição do idealismo. O dado nos é imposto, e como tal parece ininteligível. Mas o construído é nossa obra: nele, é a nós mesmos que reencontramos. Desde então, parece que o próprio da metodologia e o sucesso mesmo da descoberta consistem na conversão do dado em construído. Mas esta redução do real a uma construção do espírito seria sem dúvida de grande vaidade: ela nos daria uma satisfação de amor-próprio, mas deixando o espírito numa espécie de solidão desesperada. O espírito, supondo que pudesse tudo construir, não se constrói a si mesmo. Seria fazer dele um objeto. Ele se descobre no ato eterno que o faz ser, mas que não é uma construção na qual ele seria ao mesmo tempo o construinte e o construído, mas uma espécie de renovação indefinida de sua própria presença a si mesmo; mesmo se ele construísse tudo que pode tornar-se objeto de sua experiência, tudo que apresenta para nós um valor real, nossa própria existência como sujeito, a existência dos outros sujeitos ou do sujeito absoluto, não podem ser construídos. E no entanto podemos pô-los por uma caminhada original de nosso espírito que nos permite, por assim dizer, encontrar-lhes a presença.

23. Correlação

Todo ato chama e implica um dado correlativo.

É somente no ato da consciência que estamos certos de ter o absoluto, pois este ato é para si mesmo sua própria origem e não há nada atrás dele do qual ele possa ser a imagem imperfeita. Mas este ato não se basta todavia a si mesmo. Ele está engajado no tempo: ele tende para um fim que é outro que ele mesmo, sem o que não lhe traria nada. Ele é ávido de uma posse. Por conseguinte, pode-se dizer que todo ato chama um dado que lhe é correlativo. Não há ato de conhecimento que não exija ser o conhecimento de alguma coisa. O desejo, o querer aspiram igualmente a um bem do qual se pode pensar que eles se o dão, mas que, na realidade, lhes vem de fora. O amor implica a presença de outro ser que nos retorna este amor. E é nesta relação entre uma operação que realizamos e um dado que ela evoca, e que lhe responde mais do que o produz, que reside todo o esforço da dialética.

24. Dado

O dado é ao mesmo tempo um ponto de partida e um ponto de chegada.

Não se deve rebaixar o valor deste dado que a filosofia, desde Platão, quase sempre considerou como uma tela entre a verdade e nós, que se trata para nós de atravessar e eliminar. É que se o considera somente como o ponto de partida deste movimento do espírito que o ultrapassa e substitui gradualmente sua própria atividade à passividade inicial. Mas:

1° O dado no momento mesmo em que se oferece primeiramente a nós não é pobre e miserável, como se diz muitas vezes. Ele possui uma abundância e uma espessura concretas que jamais conseguimos abarcar nem esgotar. Nós só conseguiríamos precisamente se fôssemos capazes de remontar até o ato mesmo do espírito que se apodera dele e que o faz seu;

2° Pode-se portanto considerar também o dado como um ponto de chegada, como aquilo que busca precisamente a operação e que ela nem sempre consegue encontrar. De tal modo que sofremos igualmente de dois males, primeiro da impossibilidade de nos elevarmos do dado até o ato que o penetra e nos permite tomar posse dele como dado, em seguida da impossibilidade, partindo da operação, de descobrir o dado que lhe responde e que a completa. É este ajustamento que constitui o sucesso da metodologia, e de todas as caminhadas do conhecimento e da conduta.

25. Dom

O dado é ao mesmo tempo um dom e um enriquecimento.

A presença mesma do dado permite à consciência sair de si mesma, sem romper sua própria interioridade. Diz-se sempre que o esforço do pensamento é interiorizar o real; mas interiorizá-lo é pô-lo em relação conosco, não é aboli-lo. Se todo dado fosse nossa obra, nossa criação própria, então estaríamos enclausurados em nós mesmos, não haveria outra existência senão a de nosso eu. Não se evita esta consequência dizendo que tudo se torna interior ao espírito, mas não ao nosso próprio espírito, pois o papel do dado é precisamente nos permitir operar uma distinção entre os dois termos. Mas desde que há um dado, há para nós um fora com o qual temos alguma comunicação, e é por isso que se pode dizer que o dado, longe de ser para nós um obstáculo e uma limitação, é para nós um enriquecimento e um dom.

26. Correspondência

A análise das correspondências reguladas entre a operação e o dado constitui todo o objeto da dialética.

A dificuldade é mostrar como pode se estabelecer uma correspondência regulada entre a operação e o dado; mas é aí precisamente todo o objeto da dialética. Temos aqui a ver com leis sutis, que são comparáveis num sentido ao que é em física a lei da ação e da reação. Ninguém duvida que aquilo que vejo no mundo esteja sempre em relação de certa maneira com a atenção que se aplica a ele, que o sucesso que obtenho seja de alguma maneira em relação com minha intenção, que a conduta dos outros homens para comigo seja em relação com a minha. Todavia estas relações não são tão simples quanto se poderia crer: elas não se reduzem a uma espécie de igualdade entre a causa e o efeito. Ou pelo menos o dado que vem responder à operação responde à realidade profunda desta operação, mais do que à consciência mesma que eu tenho dela (pois esta consciência é sempre impura como a operação ela mesma e ela nunca se exerce senão na relação mesma desta operação com um dado já presente). E há sempre no dado uma infinidade latente que ultrapassa a operação e que ela jamais conseguirá nem atualizar, nem reduzir.

27. Modos

Pode-se distinguir três principais modos de correspondência.

Quando se estuda a descoberta, percebe-se portanto que ela reside numa coincidência exata entre a operação e o dado. É esta coincidência que seria preciso definir. Ela toma sem dúvida formas diferentes segundo a natureza diferente das operações que a consciência é capaz de realizar. Se se retomasse a distinção clássica da forma e da matéria, parece que ela poderia ser definida como um vão que se encontraria de repente colmatado. Esta definição conviria igualmente bem à descoberta matemática onde a solução viria satisfazer exatamente às exigências do problema, e ao objeto do desejo que, no momento em que é alcançado, o preenche, como se ele não fosse ele mesmo senão a consciência de uma falta. Mas todas as operações da consciência participam de algum modo da natureza do desejo. Todavia esta forma ela mesma não é, como se crê, um contorno rígido que espera de um objeto preexistente que ele venha, por assim dizer, desposá-la. É por isso que as expressões de matéria e de forma devem ser abandonadas. A forma é um ato, mas um ato que não se basta, porque não pode por si mesmo acabar-se. Ele é ele mesmo determinado de alguma maneira, pelo menos em sua potencialidade, sem o que não se distinguiria do ato puro; é na atualidade do dado que ele encontra o meio de se realizar, é nele que se reconhece a si mesmo, no momento em que ele lhe dá a posse daquilo para o que ele tende. E pode-se sem dúvida distinguir a este respeito três espécies de relação entre a operação e o dado, segundo que: 1° como nas operações matemáticas, que têm um caráter abstrato, o dado não se distingue da operação senão como o operante do operado (com reservas todavia, pois o operado nunca é o último termo da operação); 2° ou, como nas operações que fazemos sobre as coisas, não possamos ultrapassar as ações de superfície que consistem em sua composição mútua, embora os efeitos, e mesmo em certo sentido as leis que devemos respeitar ao compô-las, se imponham a nós mais do que somos senhores delas; 3° enfim, temos a ver com operações que interessam aos outros seres, e onde a reação que elas produzem, embora sempre chamada pela nossa, depende de sua iniciativa e evoca relações muito sutis, que cada um pressente, mas que não se estudaram até aqui de maneira sistemática.

28. Solidariedade

Estes três modos de correspondência são por outro lado sempre solidários.

Estas três espécies de correspondências não são todavia sem relação uma com a outra. A terceira, que é a mais obscura, é todavia a chave das duas outras. Pois pode-se bem dizer que as relações matemáticas só têm sentido na medida em que elas permitem as relações entre as coisas físicas. E estas por sua vez não podem se bastar, se se supõe que os objetos físicos, não somente em sua forma exterior e aparente, são somente testemunhas entre as diferentes consciências às quais eles permitem ao mesmo tempo se separar e se unir, mas ainda, em sua constituição mais profunda, fornecem ao corpo vivo ao mesmo tempo o meio e a matéria sem os quais ele não poderia subsistir, de tal modo que eles nos remetem sempre para uma outra consciência com a qual eles nos permitem comunicar, seja diretamente seja indiretamente, seja pelo espetáculo que eles fornecem a todas, seja pelo instrumento mesmo que eles asseguram a cada uma delas para que ela possa subsistir.

29. Via média

A metodologia toma emprestado uma via média entre a construção e a descrição.

Imagina-se ora que a metodologia consiste numa simples descrição do dado, ora numa construção que, sendo bastante levada, deveria se substituir ao dado, ora num encontro entre o construído e o dado que vêm se estreitar ou se recobrir por uma espécie de acaso miraculoso. Quando se engaja na primeira via, tem-se a ver com o empirismo, quando se engaja na segunda, com o idealismo, quando se engaja na terceira, com o kantismo. Na realidade, a diversidade destas doutrinas mostra bem que se pode partir indiferentemente do dado ou do construído, mas não se pode permanecer no dado sem remontar até o ato que se o dá, não se pode se contentar com o construído sem que em certo momento ele requeira a presença de um dado do qual ele nos oferece ele mesmo a presença. Todo o esforço da dialética é mostrar como há, entre este construído e este dado, correspondência, isto é, como tal operação do espírito chama tal forma de dado e vem por assim dizer se acabar nela.

30. Novidade

O prestígio da invenção vem da novidade que se lhe empresta e da qual se é ávido, mas a descoberta incide sobre aquilo que está escondido.

Os homens são ávidos de novidade, procurando sempre se arrancar do presente depois de tê-lo roçado e persuadidos de que é a novidade que os faz participar do ato criador; só ela lhes traz esta emoção inseparável da passagem sempre recomeçada do nada ao ser. Este gosto da novidade se explica em grande parte pelo gosto do divertimento e por uma inclinação a se fugir mais do que a se encontrar. Mas daí vem o prestígio exercido sobre os homens por uma aparente invenção. Entretanto, há uma novidade totalmente diferente que consiste na revelação de uma realidade que se portava em si ou que nos era há muito tempo dada sem que se a tivesse percebido. A metafísica, que tem por objeto o ser e não seus modos, ou, se se pode dizer, seus modos eternos, não pode ter recurso, sob pena de faltar de seriedade, senão à descoberta. Não que a descoberta não possa ser considerada como uma invenção do conhecimento, mas ela só incide sobre o conhecimento de uma realidade que não se inventa. Não que esta realidade ela mesma não seja uma espécie de invenção de todos os instantes; mas esta invenção, longe de nada acrescentar ao ser, é o ser mesmo tal como ele se manifesta a nós no tempo. Somente esta descoberta, não cessamos de refazê-la e de aprofundá-la porque o ser que ela nos descobre é um ser escondido, que sempre se subtrai de nós por um efeito de nossa distração e de nossa frivolidade.

31. Hipótese

Inventa-se a hipótese; descobre-se a realidade.

Quando se quer comparar o papel desempenhado na metodologia pela invenção ao papel desempenhado pela descoberta, é preciso dizer que a invenção pertence à pesquisa. Ela é um ensaio de nossas forças. Ela consegue produzir estas hipóteses da imaginação que pertencem ao domínio das possibilidades subjetivas (ou à ordem destas combinações artificiosas de pensamentos ou de ações que fazem servir a natureza aos nossos fins). Mas a tomada do real só se produz quando a hipótese se verifica, quando ela vem coincidir com uma experiência externa ou interna que a justifica. Então a invenção desaparece: no momento em que ela triunfa, ela se abole na descoberta. É este aniquilamento que é a glória da invenção. E a profundidade de um espírito se mede pelo valor comparado que ele atribui à invenção ou à descoberta.

32. Relações

A descrição se estende também às relações entre as coisas, ou entre as coisas e a consciência.

Tem-se torto sem dúvida de estabelecer uma oposição radical entre o pensamento que constrói e a experiência que descreve. Pois o pensamento que constrói se descreve a si mesmo em suas próprias operações. E a experiência não descreve ao acaso, mas segundo uma ordem que é tal que se crê construir a experiência no momento em que se descreve certa construção que lhe é imanente. Uma relação não se sobrepõe à totalidade da experiência, mas ela faz parte dela, ela pede por sua vez para ser descrita. O perigo é somente querer dissociar as exigências do pensamento dos dados que as chamam ou que lhes respondem, ou estes dados eles mesmos das operações pelas quais eles são postos e ligados uns aos outros. É o que explica a palavra célebre de Leibniz, cruel a respeito de Descartes: "Prefiro mais um Leuwenhoeck que me diz o que ele vê, do que um cartesiano que me diz o que ele pensa." Mas aquele que vê verdadeiramente vê, por assim dizer, com todo seu ser, isto é, com os olhos da alma tanto quanto com os do corpo. O próprio da descoberta é portanto descrever todos os objetos da experiência, mas sem jamais omitir todos os movimentos da consciência que se encontram aí associados ou implicados. A descoberta destas associações e destas implicações é a filosofia ela mesma.

33. Explicação

A explicação do real se encontra contida em sua descrição mesma.

Parece que não se está satisfeito por uma metodologia exclusivamente descritiva. Reprocha-se-lhe não ser explicativa. Mas há aqui uma ilusão bastante grave. Pois pedir uma explicação de todo o real que não coincida com sua descrição é supor que o princípio mesmo da explicação é exterior ao real e que este pode ser derivado dele. Ao passo que a descrição de todo o real deve conter a explicação ela mesma, isto é, as relações que nos permitem passar sem cessar de uma das partes à outra. O sentido da totalidade do real só se descobre a nós quando ele é convenientemente e completamente descrito. Pois todo fim que pode lhe dar um sentido é ela mesma interior ao real e explica só aquilo que, em relação a ela, é condição e meio. E o sentido do todo é só o efeito do sentido que podemos dar a todas suas partes e que são solidárias umas das outras, tanto em sua existência quanto em sua significação.

34. Presença total

No seio da presença total cada termo implica e chama ao mesmo tempo todos os outros.

Esta espécie de interioridade da relação ao mundo e a necessidade onde estamos, na descoberta, de chegar sempre a uma presença imediata captada num ato único do espírito, nos obriga a considerar toda relação como recíproca no plano horizontal que é o plano das ideias e das coisas, o sentido nunca intervindo senão na relação da ideia ou da coisa com a consciência mesma que se orienta para elas. É dizer que se pode começar a análise por qualquer termo. Pois ele chama todos os outros e deve permitir reencontrá-los. Tal é o caráter desta presença total da qual se fez precisamente a marca mesma do ser verdadeiro.

35. Imediatez

A descoberta nos revela a imediatidade da presença, onde o tempo se abole.

No momento em que a descoberta se faz, podemos dizer que aquilo que nos é revelado é a imediatidade de uma presença. Aqui pode-se dizer que o tempo se encontra de algum modo abolido. Com efeito o esforço, inseparável da operação enquanto ela fracassa, é ele mesmo um esforço temporal: ele é toda espera e criador do tempo por sua impotência mesma. Quanto ao objeto, mesmo se ele está situado ele mesmo num tempo, a descoberta o arranca do tempo, seja que ela o transforme em ideia, seja que ela faça dele uma verdade cujo objeto só está no tempo, mas que, ela mesma, tornou-se independente do tempo e que o pensamento é capaz agora de se redar sempre. Não há outra descoberta senão a que reside numa presença imediata, onde o intervalo entre o sujeito e o objeto, entre a operação e o dado, se encontra atravessado e abolido.

36. Repouso ativo

A presença imediata é um repouso ativo que supera a oposição da passividade e da atividade.

Nesta presença imediata, pode-se dizer indiferentemente que o dado está lá em estado puro como sustentam os partidários da intuição, ou que o dado se fundiu por assim dizer e se resolveu na operação, como sustentam mais justamente talvez os intelectualistas. As duas teses são menos diferentes do que parece. Mas seria um erro pensar que na posse do dado, o ato vem por assim dizer expirar. Pois é então sem dúvida que ele se exerce da maneira mais plena e mais perfeita. É um grave erro crer que a atividade reside só na pesquisa, que é uma atividade entravada, e que ela morre na posse, que é uma atividade liberada. Diremos portanto, desta presença imediata, que é nela que experimentamos a satisfação que procuramos. Fora dela não experimentamos senão um sentimento de solidão e de falta: desde que ela nos é dada, parece-nos ao mesmo tempo que penetramos no Ser e que o recebemos. É aí um repouso ativo onde a antinomia da atividade e da passividade se encontra superada: a atividade mesma de nosso espírito não é mais totalmente nossa; é ela que é recebida. E a passividade do dado cessa de ser exterior a nós, é ela que age em nós.

37. Análise

A metodologia dialética é uma análise da presença em presenças particulares.

Todavia não pode bastar considerar o ato do espírito como sendo simplesmente um ato de presença a tudo que é, como se aquilo que ele nos descobre fosse já aquilo que é, antes mesmo que nosso espírito tivesse começado a se aplicar a ele. É assim frequentemente que se entende a descoberta ou a revelação. Mas observar-se-á duas coisas: 1° é que é necessário fazer uma distinção entre este ato de presença geral, que se confunde num certo sentido com a atenção e que, sendo uma presença do espírito a si mesmo, acompanha necessariamente todas suas operações, e os atos de presença particulares que estão sempre em relação com um fim particular que nos propomos, e que fazem explodir a riqueza do mundo e a diversidade infinita de suas partes; 2° é que os atos de presença particulares não encontram toda feita a realidade que eles evocam ou ainda não se aplicam a uma realidade preexistente. Esta realidade é extraída e circunscrita na totalidade do real, onde ela não existia até então senão potencialmente, pela operação mesma que se volta para ela. Ela é um efeito da perspectiva onde estamos colocados, e, se se quiser, da intenção que temos sobre o mundo. É por isso que a metodologia dialética é uma metodologia analítica, e mesmo duplamente analítica, pois na riqueza indefinida do ato indiviso, ela faz aparecer as potências diferentes que colocamos em obra em operações particulares, e como nenhuma delas pode se acabar, ela evoca um dado que lhe responde, mas que parece por sua vez ser o efeito da análise que fazemos de um imenso dado de algum modo potencial, e cujos aspectos só explodem quando se realizam as operações mesmas que se referem a ele. Esta análise é portanto bem uma análise criadora. É ela que cria o mundo, e que, para cada um de nós, lhe dá sua figura.

38. Superação

O dado e a operação não somente se correspondem, mas se superam mutuamente.

Compreende-se agora por que, embora cada dado responda exatamente à operação que o fez nascer, esta correspondência não basta todavia para encerrar a descoberta. Pois há sempre uma dupla superação do dado pela operação, que tem ainda movimento para ir além, e da operação pelo dado, que a operação jamais acabará de esgotar. Atrás da operação, há a infinidade mesma deste ato, reduzido para nós ao estado de potência não exercida, e atrás do dado, há a infinidade deste mesmo ato enquanto possibilidade não atualizada. É por isso que, na plenitude do ato puro, se não se faz menção da participação, o mundo se dissolve. Mas o próprio da descoberta é não somente terminar a operação, mas renová-la e multiplicá-la indefinidamente; ela se desabrocha e frutifica dando nascimento a outras operações que o espírito empreende já realizar. Não se pode portanto dizer que o dado se substituiu à operação, que recebe ao contrário uma impulsão nova. Do mesmo modo o dado nunca é uma presença completa e suficiente. Ela chama outras presenças que começam a nos ser reveladas e que são como uma promessa que, ela mesma, nunca conhecerá termo. Assim pode-se dizer que no atual, a descoberta produz uma espécie de reconciliação do passado e do futuro: ela muda todo o passado, mas integrando-o naquilo que hoje ela nos mostra. E ela nos abre todo o futuro do qual já lhe parece que ela dispõe no ato pelo qual ela o pressente e o engaja cf. Prop. XIX, liv. III.

39. Infinito

A descoberta envolve nela o infinito sob uma dupla forma.

Mas as coisas podem ser apresentadas de outra maneira. Pois a descoberta não reside simplesmente numa espécie de apreensão de um aspecto do real, que dá ao espírito um movimento indefinido e chama já todos os outros. Ela liga o finito ao infinito não somente nos engajando no indefinido, mas nos dando no finito mesmo uma certa posse do infinito. Se a descoberta nos dá uma satisfação perfeita, é porque ela porta já em si tudo que ela nos promete. Como o todo está já presente atualmente e não somente potencialmente em cada uma de suas partes, o que nos obriga a chamá-la uma parte total, assim o menor conhecimento é já o conhecimento pleno, ao mesmo tempo que nos remete a outros; há nele uma infinidade atual, um conteúdo presente e aberto que possuímos e que todavia não esgotamos. E os diferentes espíritos se distinguem talvez uns dos outros no gosto que eles têm ora para adquirir o conhecimento que eles não têm, ora para cavar sempre mais aquele que eles têm. Uns se dissipam no indefinido e os outros se concentram por assim dizer num infinito que se torna como uma ponta sem espessura. Assim aqueles que descobrem o amor pensam ora que não há nada que não devam amar, ou procuram num único amor a infinidade do amor. Uma obra de arte não nos emociona senão se ela nos parece se bastar, senão se ela nos revela a beleza inteira num só de seus aspectos, e cremos também todavia que é impossível atingi-la de outro modo senão através da infinidade de suas formas diferentes. Talvez seja preciso dizer que a descoberta nos obriga sempre a oscilar de uma à outra destas duas atitudes segundo que nosso espírito procura mais, para atingir o real, se estender ou se aprofundar. O infinito e o indefinido da descoberta são inseparáveis, se é verdade que o infinito de cada coisa é o cruzamento de todas as relações atuais com todas as outras coisas.

40. Reconciliação

A descoberta reconcilia o intelecto e o querer.

A descoberta resolve, parece, a antinomia do intelecto e do querer. Pois o próprio do intelecto é sem dúvida nos permitir a contemplação daquilo que é; compreende-se assim que o papel do intelecto seja operar a descoberta ao passo que a vontade acrescenta àquilo que é; seu papel é portanto inventar. Mas não se pode romper a unidade das funções do espírito. Então observa-se, de um lado, que esta função contemplativa do intelecto é tal que, compreender, para ele, é reencontrar no real as exigências de sua própria operação, de tal modo que sempre lhe parece que contemplá-lo é construí-lo; de outro lado, esta função criadora da vontade possui muito menos pureza, pois ela está sempre entravada pelos obstáculos que a matéria lhe opõe, de tal modo que seu efeito é sempre um composto de nossa intenção, de nossos esforços e da ordem dos acontecimentos. Entretanto, na descoberta, produz-se uma espécie de convergência, e, no limite, uma identidade entre o intelecto e o querer: pois no que concerne ao intelecto, ele nos faz conhecer aquilo que é, mas nós quisemos conhecê-lo, e o conhecimento é nosso querer acabado; e no que concerne ao querer, ele só pode se exercer se é esclarecido e só age para que o inteligível seja não somente pensado, mas realizado. Tendemos, por conseguinte, para uma espécie de encontro do intelecto e do querer que não se produz sempre, mas que, quando se produz, nos ensina a querer o mundo tal como o intelecto no-lo descobre, ou a pensá-lo tal como a vontade o modifica, como se sua ação não fosse nada mais do que um aspecto da ordem mesma que o constitui. É neste ponto sem dúvida que reside a extremidade da sabedoria.

41. Identidade

Toda descoberta é um retorno a uma identidade que, em vez de abolir as diferenças, as funda.

O próprio da descoberta é sempre pôr um dado em relação com a operação que lhe corresponde. Esta operação não é ela mesma senão a especificação de um ato idêntico. Mas a identidade de um ato não é a identidade morta de uma coisa ou de um conceito. Esta abole as diferenças, mas a outra as funda. É somente a partir do momento em que o ato é participado que, sem nada perder de sua unidade, vê-se aparecer certas condições de sua possibilidade mesma, que nos obrigam a opor — mas para fazê-las corresponder — uma pluralidade de operações a uma pluralidade de dados. A explicação só está acabada quando se pôde, não somente pôr o dado em relação com a operação, mas descobrir, no jogo de uma atividade idêntica, o princípio desta oposição. Estamos igualmente longe aqui da tese que resolve as diferenças na unidade, ou da que desabrocha a unidade em diferenças. As diferenças aqui são um efeito do jogo mesmo da liberdade: elas medem, por assim dizer, seu alcance e seus limites, e a relação entre a originalidade de cada uma de suas empresas e a resposta do acontecimento.

42. Apelo

Cada uma das operações do espírito é menos uma criação do que um apelo ao qual o real deve responder.

O erro fundamental da teoria do conhecimento sempre foi pensar seja que o espírito podia realizar uma operação que era ela mesma uma criação do real, seja que o real podia lhe ser dado independentemente de toda operação. Mas só há consciência por uma operação do espírito, que é sempre um apelo ou uma solicitação à qual é preciso que seja o real que responda; ora a resposta sempre supera a demanda, mas ela está em relação com a demanda: esta desenha um vão que a outra vem por assim dizer preencher. E é quando ele está preenchido que a descoberta se produz. O papel da teoria do conhecimento é descrever esta correspondência, mostrar como o espírito, em virtude das condições de possibilidade de sua atividade participada, prepara ao real a forma que o recebe, obrigando o real a se constituir como um dado que o supera, mas que lhe dá um conteúdo.

43. Encontro

As diferentes espécies de encontro entre o real e a operação testemunham que a descoberta não é somente reprodutora, mas inovadora.

A descoberta pode se definir como um encontro entre o real e nós, e o próprio da metodologia é tornar possível este encontro. Ora ela se apresenta sob formas diferentes segundo as funções do espírito que entram em jogo. No conhecimento, podemos distinguir primeiro as matemáticas onde parece, sob a reserva das convenções escolhidas inicialmente e de um acordo que elas visam indiretamente com a experiência, que a descoberta chega a uma coincidência perfeita entre a operação e o resultado da operação, embora o resultado possa nos aparecer como um objeto que se impõe ao nosso espírito irresistivelmente como um objeto físico. Nas ciências da natureza, procuramos laboriosamente uma coincidência entre a hipótese e a experimentação, e sabemos que a experimentação acrescenta à abstração da hipótese a concretude que a preenche. Na arte, a emoção nasce do pensamento de uma forma real que a experiência não nos oferece sempre: acontece que a experiência a sugere, e que a beleza seja primeiro como um espetáculo que temos sob os olhos. Mas para chegar a tomar posse dela e para torná-la disponível quando ela é dada, ou bem para lhe dar um corpo quando ela não o é, o artista procura encará-la; seu objeto é obter uma coincidência perfeita entre um movimento de seu pensamento e a realidade que o exprime; e este movimento de seu pensamento permanece inacabado, ele é só um ensaio incerto enquanto não conseguiu encontrar no real um corpo que o manifeste, que lhe responda e que, num certo sentido, o supere. Pois, nesta espécie de casamento que se produz entre o pensamento e o real, se o pensamento solicita o real que não receberia sem ela nenhuma luz, o real na resposta que lhe faz lhe traz sempre mais do que ela pediu, e mesmo pode-se dizer que esta resposta, longe de satisfazer somente à questão que ela havia posto, vai sempre além, e se apresenta sempre como sobreabundante e imprevisível. O que é a glória da descoberta e mostra a que ponto é ela que é inovadora, bem mais do que a invenção que prepara somente seu acesso. Confirmar-se-ia ainda esta vista estudando a relação da vontade com o fim para o qual ela tende: ela não é ela mesma senão uma intenção, orientada é verdade para o sucesso, que, quando se produz, lhe traz sempre mais do que ela havia pensado ou mesmo esperado, e lhe traz a presença do infinito na qual ela nos permite nos estabelecer, embora saibamos que não o esgotaremos jamais. Far-se-ia a mesma observação na ação propriamente moral da qual se tem torto de pensar que ela se reduz à intenção que nos dá uma acre satisfação de amor-próprio, enquanto que a ação boa é verdadeiramente uma ação que produz uma espécie de cumplicidade com o real, que lhe dá mais fruto ainda do que podíamos esperar.

44. Imanência

A descoberta permite a reconciliação da imanência e da transcendência.

A participação esclarece aqui a significação da descoberta pela relação que ela nos permite estabelecer entre a imanência e a transcendência. Pois a descoberta é a coisa enquanto ela nos torna presente, isto é, enquanto ela é imanente à nossa experiência. E no entanto, sabemos bem que não há descoberta onde esta presença seja plena e absoluta. Assim, embora a coisa seja presente na percepção e não seja um além, a percepção não é a coisa, que encerra ainda uma infinidade de caracteres que a percepção jamais acabará de nos representar: ela é portanto também, num certo sentido, transcendente à representação que temos dela. É assim do passado a respeito da lembrança que no-lo lembra: ele está presente na lembrança, e está todavia além, de tal modo que a memória jamais acabará de no-lo representar. Que dizer ainda de outro ser que nós? Considerando as consciências como fechadas umas para as outras, deve-se considerar a consciência de outro como decisivamente transcendente a nosso respeito. Mas isso não é verdadeiro nele senão de seu eu psicológico: permanecemos unidos a ele, e mesmo, num certo sentido, idênticos, pelo eu transcendental e o eu absoluto pelos quais todas as consciências comunicam. E é o próprio desta faculdade que se chama imaginação, de descer do eu transcendental para o eu psicológico, permitindo-nos precisamente nos representar em nós estados dos quais portamos a possibilidade e que estão ainda em nós, embora não sejam mais nós. Assim vê-se quanto estamos longe de pensar, com Scheler, que só a simpatia permite aos diferentes "eus" psicológicos comunicar uns com os outros. Ela é só uma espécie de expressão na linguagem da sensibilidade desta espécie de ligação de todos os "eus" psicológicos com o eu absoluto, por intermédio do eu transcendental. Além de que há um perigo em pensar que esta simpatia a respeito de outrem é não somente a melhor das coisas, mas um sentimento que tenho o dever de fazer nascer (apesar da resistência e da impossibilidade que minha consciência lhe opõe), quando que apesar da força do egoísmo estou bem longe frequentemente de experimentar um sentimento de simpatia a respeito de mim mesmo e a respeito de todas as partes de mim mesmo. Na escala da consciência psicológica, os sentimentos de amor e de ódio devem ser regulados, e, de ambos, pode-se fazer um bom e um mau uso.

45. Adiantamento

A operação e o dado se antecipam uma à outra.

Aqueles que põem sua confiança na invenção, mais do que na descoberta, põem sua confiança na atividade do espírito puro, mas enquanto depende deles mesmos colocá-la em obra. De tal modo que é em si mesmos que eles põem sua confiança. Aqueles que põem sua confiança na descoberta põem sua confiança no ser mesmo enquanto ele os supera, não cessam de medir sua fraqueza. Mas sua consciência está sempre aberta a uma revelação que não cessa de enriquecê-los. E nestes dados sempre novos, que lhes são sempre oferecidos, e que não são no espírito puro senão aquilo que supera a operação mesma da qual são capazes, eles reencontram a ocasião de estender o exercício de seu pensamento numa espécie de circuito onde o dado antecipa a operação e a sugere, ao passo que seja esta que a chama e que a produz. Toda a vida do espírito, na escala da participação, consiste num duplo movimento que vai do conceito ao real e do real ao conceito, de tal modo que, destes dois termos, um não cessa de esclarecer o outro, e o outro de nutri-lo.

46. Evidência

A evidência se produz no momento em que se realiza a conveniência do sensível e do conceito.

Esta presença na qual a operação e o dado se reúnem produz na consciência o sentimento da evidência. Discutiu-se não somente do valor da evidência, mas de sua natureza mesma. Distinguiu-se entre uma presença sensível que não se distingue do dado puro, e a evidência intelectual que é a presença do espírito à sua própria operação. E esta dupla evidência não saberia ser contestada; mas uma e outra parecem estéreis: a evidência verdadeira, a única que tem um caráter de fecundidade, é aquela na qual o sensível e o conceito se encontram unidos de tal maneira que o sensível, longe de desaparecer, convém exatamente com a operação, e que a operação, longe de se bastar, chama o sensível que lhe responde.

47. Realização

A descoberta é o cumprimento em ato das diferentes formas possíveis da participação.

A descoberta é portanto a participação em ato, uma participação da qual se reencontram as diferentes etapas na constituição do sujeito transcendental e dos sujeitos particulares, e por conseguinte nas ligações que os unem, nas relações do sensível com a ideia e da ideia ela mesma com o absoluto, da ideia com o conceito e com o valor, das ideias entre elas e das coisas entre elas. A participação é a relação viva, na medida em que ela interessa todos os aspectos do ser do cume à base, e na medida também em que ela é, não somente pensada, mas experimentada sem cessar pela consciência. Pois esta não pode se reconhecer como finita e como dependente senão à condição de tomar emprestado sem cessar, e de se superar sempre. De tal modo que a filosofia, então, aparece como sendo verdadeiramente uma psico-metafísica.

48. Ser

A descoberta resolve a antinomia do ser e do aparecer.

A descoberta supera também a antinomia do ser e do aparecer. Pois, de um lado, o aparecer ele mesmo é um ser. Mas ele só exprime um aspecto do ser, que não está separado dele, que já nos permite penetrar nele e evocar todos seus outros aspectos dos quais se pode dizer que o ser ele mesmo é o foco. Este foco não aparece ele mesmo. Ele é sem dúvida a lei que permite a todos estes aspectos se unirem, ou mais exatamente seu centro gerador. Então, ele merece propriamente o nome de inteligível, seja que esta inteligibilidade seja a do conceito pelo qual tentaremos dar conta da experiência sensível, seja que ela seja a da ideia que já põe o sujeito transcendental em relação com o absoluto, e, sob o nome de valor, torna-se o motivo da vontade e de toda ação criadora.

49. Abertura

A descoberta é uma dupla abertura sobre o absoluto e sobre o infinito.

A descoberta filosófica jamais se limita à solução de um problema particular que só interessa a uma disciplina especial. Ela é propriamente, em cada problema particular, a percepção de sua relação com o absoluto, e, por via de consequência, a percepção pressentida e prometida de sua relação com todos os outros problemas particulares. O que explica bastante o caráter da descoberta, que jamais pode ser um ponto de parada, mas é uma espécie de abertura sobre mim mesmo e sobre o resto do mundo, uma espécie de movimento ininterrupto que ela não cessa de produzir, e que me traz sempre algumas novas claridades ao mesmo tempo sobre aquilo que eu sabia e sobre aquilo que procuro. Aqui, far-se-á uma tripla observação: 1° que a descoberta é sem dúvida uma posse, mas a posse de um ato que, em vez de se fechar sobre um objeto particular, vai sempre além; 2° que é assim somente que a descoberta pode nos dar ao mesmo tempo a coisa e o sentido da coisa: este não responde somente, como se diz frequentemente, à intenção que temos sobre ela, mas à totalidade das relações que ela sustenta com as outras coisas; ela tem um sentido potencial que supera aquilo que a consciência psicológica é capaz de atualizar; 3° é sua relação com o absoluto que se exprime precisamente por sua infinidade, isto é, pela impossibilidade onde estamos ao mesmo tempo de esgotá-la pela análise e de esgotar todas as relações que a unem a todo o universo.