Conclusão
1. Penetração Intelectual
A metodologia dialética exprime um esforço para penetrar o real por operações do intelecto. Mas dando uma disciplina ao intelecto, ela não reduz a ele todo o real. Ao contrário, o próprio da inteligência é reconhecer a heterogeneidade em relação a ela e em suas relações mútuas de todos os objetos aos quais se aplica. Só ela pode ter bastante plasticidade e flexibilidade para nos representar com seus caracteres próprios a infinidade dos modos do real. É preciso para isso que ela seja ela mesma indiferente ou neutra. Seu papel é descrever a originalidade uns dos outros, mostrar também quais são suas articulações, nos permitir discernir a essência de cada um deles e determinar sua significação em relação a todos os outros. E como sua unidade envolve ao mesmo tempo uma diversidade de operações e de objetos conjugados, ela regula o jogo destas operações por uma metodologia, e mostra as relações destas operações com todos os objetos aos quais se aplicam por uma dialética.
2. Teoria Integral
A metodologia dialética parece portanto puramente teórica, mas na realidade ela é também uma teoria da sensibilidade e da vontade, que não seriam nada para a consciência ela mesma se esta, sem aboli-las, não as envolvesse em sua luz. É por isso que ela funda o gosto quando se trata da sensibilidade, e a sabedoria quando se trata da conduta. Ela respeita a originalidade da qualidade sensível tanto quanto a dos sujeitos individuais. Ela não reduz nem a primeira a conceitos, nem a segunda a ideias. Sua missão é somente mostrar o lugar que ocupam no mundo a qualidade como qualidade, nosso eu, ou outro eu, enquanto ela pode pô-los em sua independência e em sua irredutibilidade mesma.
3. Movimento Regressivo
Ela tem por origem o movimento regressivo pelo qual a reflexão, interrogando-se sobre tudo que é, nos conduz de volta ao sujeito e distingue, no sujeito mesmo, uma relação entre sua forma psicológica, sua forma transcendental e sua forma absoluta. O sujeito transcendental é intermediário entre os dois outros. Mas isso não faz senão um sujeito e não três sujeitos. O sujeito transcendental procede do sujeito absoluto e se encarna no sujeito psicológico. O intervalo que o separa do sujeito absoluto é preenchido pelo mundo das ideias, como o intervalo que o separa do sujeito psicológico é preenchido pelo mundo sensível. Entre estes dois mundos, há uma correspondência regulada. Estes são somente meios de comunicação entre os sujeitos psicológicos que, através do mesmo sujeito transcendental, participam do mesmo sujeito absoluto. Os sujeitos psicológicos só podem tornar-se independentes, e todavia entrar em relação uns com os outros, graças ao espaço e ao tempo que lhes dão um corpo que lhes é próprio, e por conseguinte uma intimidade individual e um devir que é sua vida mesma naquilo que tem de único e propriamente inefável. Mas o mundo espácio-temporal, que os encerra em si mesmos, é todavia um mundo comum que lhes fornece os signos para exprimir aquilo que há neles de diferente e de idêntico, e, de certa maneira, aquilo que há de idêntico em suas diferenças mesmas. É que então os sujeitos psicológicos se voltam para o sujeito transcendental, que, não sendo nada mais do que o sujeito em geral, os submete às leis comuns da participação. Eles se elevam então até o mundo das ideias. Estas ideias elas mesmas não são ainda para eles senão objetos de contemplação. Nelas, eles não consentem em ver sua existência individual se abolir, é preciso que elas a fundem, o que só é possível se, mais do que aboli-la por sua vez, elas fundem o mundo que eles deixaram, isto é se elas se convertem em valores pelos quais, através do sujeito transcendental, o sujeito psicológico alcança o sujeito absoluto na maneira pela qual ele assume, em relação com ele, a vocação própria para dar sua significação a si mesmo e ao mundo.
4. Constituição do Eu
É na relação do sujeito psicológico, do sujeito transcendental e do sujeito absoluto que o eu se constitui. Ele só pode se constituir por um ato livre, um ato do qual é preciso dizer que é a participação do sujeito absoluto no qual ele extrai esta iniciativa que faz dele o primeiro começo de si mesmo, mas que o obriga, para ser, a se determinar, isto é, a se encarnar no sujeito psicológico. Tal é a razão pela qual a liberdade não está ao nível do eu psicológico, do qual se compreende bem, quando se o examina só, que se o submeta às leis do determinismo: o que fazem naturalmente os psicólogos e os caracterólogos. Mas o eu está sem cessar em questão, e a liberdade está sempre acima dele. Ela é indeterminada como o sujeito transcendental, sua potência de se dar o ser a si mesma recoloca sem cessar no tear o eu psicológico e nunca se solidariza com ele, embora não possa passar sem ele, de tal modo que ele lhe fornece as condições sem as quais sua liberdade permaneceria no estado de virtualidade pura, e tais que seja precisamente nelas que ela deve se realizar. Estas condições não foram escolhidas pela liberdade, que, se pudesse escolhê-las, não seria limitada por elas e não se distinguiria do ato puro. São as condições gerais inseparáveis de uma ordem espácio-temporal que permitem a todas as liberdades se exercer permanecendo ao mesmo tempo distintas umas das outras, e sem romper a unidade do mundo. É este problema que a dialética platônica e a dialética kantiana tentaram explicar, mostrando, seja pelo mito, seja por uma hipótese verbal, que cada ser particular escolhe ele mesmo sua própria essência, ou, se se quiser, seu caráter inteligível. O que faz desta escolha um puro mistério. Pois não sabemos em nome de que princípio ela poderia ser feita. Digamos somente que, embora haja frequentemente conflitos pelo menos aparentes entre nossa liberdade e nossa natureza, há todavia entre elas também uma correspondência singular, ora porque nossa liberdade se compraz em sua natureza, ora porque ela encontra nela a prova de que precisamente tem necessidade. De tal modo que, se se compreende mal como pudemos escolher nossa natureza, pode-se perguntar se, no fundo mesmo de sua sinceridade, algum ser escolheria hoje uma natureza outra que precisamente aquela que é a sua. Mas a questão é somente saber como a liberdade se comporta com a natureza, o partido que dela tira, a escolha que faz nela, a maneira pela qual lhe cede, pela qual lhe resiste, pela qual a reforma. É a matéria de que ela não pode passar sem; é também o rastro e o efeito de sua ação que, de outro modo, não encontraria onde se exercer.
5. Liberdade Suspensa
Ao nível do sujeito transcendental, a liberdade do eu está suspensa entre o sujeito absoluto e o sujeito psicológico, sem poder se identificar com nenhum dos dois. Ela é na realidade a possibilidade de nós mesmos. Vê-se bem agora em que consiste o eu: é a existência de uma possibilidade. Mas esta possibilidade ela mesma só pode se atualizar à condição de que o eu faça de todo o real uma possibilidade que, no momento em que a atualizará, lhe permitirá se atualizar a si mesmo. Daí, a cisão de sua própria atividade numa atividade intelectual que converte o real em possível, e numa atividade voluntária que converte o possível em real. Mas esta conversão tem precisamente por efeito nos aproximar da fonte de todas as possibilidades, de procurar em cada uma delas não mais sua relação com o objeto que ela explica, mas com o absoluto que a justifica, isto é, de transformá-la em valor. Neste momento, ela engaja nossa vontade, e nos faz cooperar indivisivelmente à criação de nós mesmos e do mundo.
6. Consciência Supra-intencional
Elevamo-nos assim até uma consciência supra-intencional que não se deve considerar como inoperante porque ela estaria, por assim dizer, num estado de desinteresse puro. Mas este desinteresse puro é a atividade mesma do espírito nascendo de si mesma e se consumando em si mesma, prosseguindo seu próprio jogo na escala da participação, através de um ciclo de operações e de dados, sem que se possa lhe reprovar, nesta atitude em aparência contemplativa, de permanecer separado do mundo, surdo à existência dos outros seres, às requisições da ação, aos apelos da sensibilidade e do querer, visto que este mundo, estes outros seres, estas requisições ou estes apelos, só a atenção é capaz de discerni-los, de lhes dar seu valor e seu sentido. Toda filosofia reside numa espécie de perfeição da atenção. Nisso consiste o verdadeiro intelectualismo que, longe de abolir nada desta realidade concreta na qual a vida está engajada, a penetra de luz, e nos dá uma posse plena que lhe restitui ao mesmo tempo sua essência e seu sabor.
7. Transcendência Mútua
Há assim uma transcendência de todos os seres uns a respeito dos outros. Cada ser deve com efeito ser considerado como uma liberdade que se exerce pela assunção de uma possibilidade. Ora é evidente que tal ato não tem nenhum caráter geral e comum. Ele é pessoal e secreto: ele é, para todo outro ser, transcendente como Deus mesmo, e como o é nossa própria liberdade à experiência que podemos ter ou que os outros seres podem ter de nós mesmos. Esta transcendência é também a da coisa a respeito da percepção e do passado a respeito da lembrança. O que nos induz a pensar que a coisa percebida ou a coisa relembrada não são nada mais do que um ato espiritual, ao qual permaneço inadequado e que procuro vãmente igualar. Quando se trata da coisa percebida, trata-se de um ato que não vem de mim e que só consigo imaginar, de fora, pelas modificações que imponho à coisa, e de dentro, por um impulso dinâmico que desabrocha diante de mim sua aparência. Quando se trata da lembrança, é o ato mesmo da percepção com o conteúdo ao qual se aplicava outrora que procuro evocar. E a comparação torna-se mais fácil entre o pensamento e seu objeto. Mas este objeto permanece sempre além do ato pelo qual o apreendo. Poder-se-ia dizer que este transcendente é sempre objeto de uma fé mais do que de um conhecimento. Mas isso não é suficiente. Pois esta transcendência é posta em sua relação comigo, e a operação que realizo só tem sentido porque a implica e se refere a ela. É nestas possibilidades que porta nele o sujeito transcendental que descubro aquelas mesmas que não realizei e que outro escolheu. Tal é o papel da imaginação; eu imagino em mim, ou antes além de mim, outro eu que poderia ter sido eu, que o é até certo ponto, e com o qual eu formava já, antes de descobri-lo, uma espécie de sociedade ideal. A passagem do possível ao real, que se faz seja em mim, seja fora de mim, cria entre todos os seres que podem dizer eu uma cumplicidade e mesmo uma fraternidade.
Fim