Significação
1. Significação
A descoberta filosófica incide sobre a significação do mundo e da vida.
O objeto da descoberta filosófica não é nos revelar objetos de conhecimento novos, nem mesmo, como acreditavam os positivistas, realizar a sistematização de todos os conhecimentos adquiridos. Pois sabemos bem que nem nenhum conhecimento particular, nem nenhuma acumulação de conhecimentos, pode nos servir de filosofia verdadeira. O saber mais extenso pode se acomodar com o desespero filosófico. O ignorante não carece necessariamente de luz filosófica. A este respeito a diferença entre o filósofo e o não-filósofo é apenas que o filósofo conhece a significação do mundo e da vida, enquanto o não-filósofo a ignora ou lhe permanece indiferente. Digamos apenas, para não trair o sentido original da palavra filósofo, que o filósofo a busca. Mas talvez lhe baste, malgrado o paradoxo, saber o que é a significação ou o sentido, isto é, a significação da própria significação, para descobri-la no real e realizá-la em sua vida.
2. Jogo
Estamos presos no jogo da significação do mundo e da vida que não pode ser diferente daquela que lhes damos.
Antes de tudo, o mundo não pode ter um sentido independentemente daquele que nós mesmos lhe damos. Pois este sentido é um pensamento, e o mundo não pode tê-lo independentemente do sujeito pensante. É talvez impossível conceber que haja um mundo se este mundo fosse privado de toda referência ao sujeito, mas é assegurado que fora desta referência, o próprio mundo não teria sentido. E há a solidariedade mais estreita entre a própria existência do mundo como espetáculo, e a significação que podemos lhe atribuir. Iludir-se-ia em vão, sem dúvida, pensando que se pode isolar o mundo, como espetáculo puro, do próprio sentido que a consciência lhe dá. Pois só existe como espetáculo para ser portador deste sentido. A relação do espetáculo e do sentido deve encontrar seu fundamento, sem dúvida, na distinção que estabelecemos entre as funções principais da consciência, que nos obrigam a nos representar o mundo, a fim de ser capaz de querê-lo.
3. Reconhecimento
Estamos nós mesmos presos no jogo, e não podemos dar às coisas uma significação arbitrária: reconhecemo-la, mas não podemos reconhecê-la sem nela consentir.
Não podemos nos considerar nós mesmos como separados do mundo, que só teria sentido para nós. O sentido que lhe damos não é um sentido arbitrário. Por mais que queiramos nos destacar do mundo, estamos também engajados no mundo. E o mundo só se constitui ele mesmo como portador da significação. De tal sorte que esta própria significação, nos pertence menos impô-la ou exigi-la que descobri-la. Ela supera singularmente a subjetividade individual. Reside sem dúvida na descoberta de uma universalidade subjetiva, da qual a subjetividade individual participa e da qual o mundo é o instrumento. Ela é transcendente à vontade individual, que se lhe submete mais que a dita. Mas é porque estamos presos nós mesmos no jogo que devemos considerar a significação como devendo ser reconhecida por nós: é uma espécie de revelação que nos é feita, mas a solidariedade é tão estreita entre as diferentes partes de mim mesmo que não posso, sem dúvida, reconhecê-la sem nela consentir.
4. Referência
Há uma significação que é a da parte em relação ao Todo: mas não é senão a figuração da significação essencial, que reside no ato, e na referência de cada ato particular a um ato absoluto que se quer ele mesmo eternamente.
Quando se coloca num ponto de vista estático e se considera o universo como um Todo feito de partes harmoniosamente reunidas, pode-se considerar o sentido como a relação que une cada parte ao Todo, que mostra em cada uma delas a função única e específica que lhe pertence no próprio equilíbrio do Todo. Esta visão não pode ser esquecida. Cada vez que o sentido intervém, uma referência ao Todo está em jogo, somente não é aí senão uma espécie de expressão, na linguagem do dado, da função significativa ou significante que põe o sentido, ao invés de contê-lo. O sentido, com efeito, deriva sempre do ato que, pondo a coisa, lho dá. É, portanto, um grande erro pensar que o sentido de um ato reside na coisa, ou no fim que busca atingir. É antes o contrário que é verdadeiro. A coisa só tem sentido pelo próprio ato que a produz. E este próprio ato, que é sempre um ato particular, só tem sentido em relação ao ato absoluto, que se quer ele mesmo eternamente.
5. Reciprocidade
A significação é recíproca, isto é, que a significação do Todo só reside em sua relação com as partes, e a do ato absoluto apenas em sua relação com os atos particulares.
Como o todo não pode ser dissociado da parte, sem a qual não teria existência como todo, assim o ato puro não pode ser dissociado dos atos particulares que nele participam, sem o que não seria o ato de nada; e é precisamente no intervalo que separa o ato particular do ato absoluto que aparecem o objeto, o fim e o mundo: mas todos estes termos só têm sentido pelo próprio ato do qual nos separam, mas do qual porém testemunham. Poder-se-á dizer por conseguinte que, como o todo só tem sentido pelas partes, assim o ato absoluto só tem sentido pelos atos particulares, reciprocidade da qual se vê claramente que exprime a unidade perfeita do ser, que é tal que podemos envolvê-la num movimento circular, como num círculo se pode partir igualmente de qualquer raio para reencontrar o círculo, e do círculo para reencontrar todos os raios.
6. Absoluto
A significação é o próprio absoluto de cada coisa ou sua relação com o absoluto.
Se há um par do relativo e do absoluto e se estes dois termos são inseparáveis, pode-se dizer que é o próprio par que é o sentido. Mas dizer que estes dois termos se implicam um ao outro, isto não quer dizer que estejam no mesmo plano. Pois o sentido, por assim dizer, deriva do absoluto ou sobe para ele. O absoluto goza, portanto, de um privilégio inegável, sem o qual o relativo não teria sentido mesmo como relativo. E só o tem porque enquanto relativo, e por sua relação com o absoluto, se torna ele mesmo um absoluto. Mas é claro que se o absoluto dá o sentido, é porque não é apenas o último termo resistente e negativo que limita o movimento do espírito e além do qual este não passa, mas ao contrário o primeiro termo dúctil e positivo que dá o movimento ao espírito e que renova indefinidamente sua fecundidade.
7. Tempo
A significação é inseparável da noção de tempo, e o tempo está no mundo para lhe dar uma significação, o que introduz a finalidade e nos permite nos realizar a nós mesmos.
Todavia não se saberia, parece, introduzir distinção entre as duas acepções da palavra sentido. Pois o sentido só é uma significação porque é também uma direção orientada. Ora não se pode conceber uma direção orientada senão pela introdução da noção de tempo. E talvez seja preciso dizer que o tempo só intervém no mundo a fim de nos permitir lhe dar um sentido. Todavia, o tempo exprime sem dúvida a condição de toda atividade particular, mas também o intervalo que a separa do ato absoluto. Então seremos obrigados a estabelecer uma oposição entre o tempo da natureza que, entregue por assim dizer a si mesmo, exprime o próprio sentido de nossa queda (e que uma certa idolatria tende a considerar como implicando já ele mesmo um progresso necessário), e o tempo da consciência, do qual se pode dizer que é inverso do tempo da natureza, que remonta sempre para o absoluto, ou que no próprio tempo é um retorno para a eternidade.
8. Intenção
Assim se deduz a teoria da consciência intencional: é a intenção que dá o sentido.
É fácil compreender agora por que a consciência pode ser considerada como intencional. É que dá seu sentido a toda coisa, e este sentido consiste sempre em seu futuro. Assim pode-se dizer que envolve uma finalidade. O sentido nunca está em realidade na própria coisa, está sempre além. O que é verdade tanto da atividade cognoscente quanto da atividade volente. É que a atividade da consciência é indivisível e que quer mesmo o conhecimento. Todavia esta intencionalidade só pode ser considerada como uma etapa da vida da consciência. O foco de todas estas intenções está além de toda intenção. E a intenção suprema da consciência é, se se pode dizer, não ter mais intenção. Na medida em que seu ato se torna mais puro, se aproxima mais do perfeito repouso: como se vê no ato de contemplação, onde toda intenção se apaga, e que porta seus frutos sem que sua intenção jamais se tenha aplicado, nem para considerá-lo, nem para produzi-lo.
9. Invenção
O que denominamos invenção em relação a nós é sempre descoberta em relação ao ser: mas a recíproca é verdadeira também.
Opõe-se em geral a palavra descoberta à palavra invenção ou criação, como se só se descobrisse o que já existe, como se se inventasse ou se criasse um objeto sempre novo. A palavra descoberta parece, portanto, convir particularmente ao realismo, a palavra invenção ao idealismo e a um vitalismo onde a vida se produz ela mesma num movimento sempre imprevisível. Porém observar-se-á que a filosofia é obra da inteligência e que, mesmo se existe no fundo das coisas uma potência criadora irredutível à inteligência, o próprio da filosofia é esclarecer não apenas seus efeitos, mas seu modo de ação. É difícil por conseguinte manter à filosofia seu caráter de conhecimento sem fazer dela uma descoberta mais que uma invenção. Mas as duas operações são sempre ligadas até um certo ponto: pois todo ato do conhecimento — seja que se trate da posição de um problema, seja que se trate da busca de uma solução — é bem uma invenção que acrescenta ao que sabíamos. Mas é preciso que esta invenção apareça contudo como em acordo com uma ordem que se encontra no real, e que o real não cessa de confirmar. O que é verdade mesmo das invenções da técnica. Com maior razão das invenções da especulação, que querem nos descobrir o próprio fundo das coisas mais que mudar a face do mundo. Mas compreende-se que haja sempre em nossa atividade um certo composto de invenção e de descoberta, pois toda operação que cumprimos é uma operação de participação, que comporta ao mesmo tempo uma iniciativa que vem de nós, e uma resposta que o dado não cessa de lhe fazer.
Esta espécie de ligação entre a invenção e a descoberta receberá sua verdadeira significação se se reflete que o método que propomos aqui pode ser denominado análise criadora, a palavra análise indicando bem que só visamos descobrir o que está no ser — ao menos sob uma forma potencial —, mas a palavra criadora mostrando que as próprias distinções que fazemos no ser fazem aparecer nele aspectos que só têm existência pelo próprio olhar da atenção que os discerne e que se lhes aplica. Acrescentemos enfim que a palavra descoberta corresponde bem à ambição do pensamento filosófico de todos os tempos, que é reconhecer o ser por trás da aparência que o cobre, rasgar todos os véus que os sentidos, a opinião ou o preconceito interpuseram entre o real e nós.
10. Espírito
Só há sentido para o espírito ou para a consciência, de tal sorte que o sentido do mundo é sem dúvida permitir à consciência se constituir e se exercer.
É o espírito que busca a significação e só há significação para ele. É, portanto, a atividade significante e a significação de todas as coisas. Diremos por conseguinte que a significação do mundo e da vida consiste em sua relação com o espírito ou com a consciência. Assim, buscar o sentido do mundo e da vida, ou de uma coisa qualquer, é espiritualizá-los, o que não quer dizer que é transfigurá-los em coisas espirituais, mas fazer deles as condições, ou as expressões, da própria vida do espírito. A significação do mundo não existe apenas para a consciência, mas é permitir à própria consciência se constituir e exercer todas as potências pelas quais introduz sem cessar no mundo novas significações.
11. Produção
O próprio do método de análise criadora não é reduzir, mas produzir.
Pensa-se também frequentemente que o próprio do método é reduzir a própria diversidade dos aspectos do real a uma identidade abstrata. Alega-se o exemplo das matemáticas. Utiliza-se a antiga fórmula de que conhecer é reduzir o desconhecido ao conhecido, e o que é o conhecido, enfim, senão o próprio espírito considerado em sua unidade puramente formal? Mas não se pode deixar de pensar que nesta concepção a diversidade é um escândalo que é preciso abolir, de tal sorte que o método resulta num acosmismo por trás do qual se esconde sempre um verdadeiro pessimismo. É talvez aí um método que pode bastar ao sábio, não pode bastar ao filósofo, pois perguntará qual é a fonte desta diversidade que se acaba, ao menos em pensamento, de abolir. Exercita as forças de seu espírito tomando posse desta diversidade e das relações que unem entre si seus diferentes termos. Seu espírito não encontra nenhuma satisfação nesta identidade morta para a qual se busca reconduzi-lo; só tem gosto por uma identidade viva, que multiplica e varia sem cessar, numa infinidade de correspondências, todos os modos de afirmação. Todos aqueles que querem que o método seja criador, e que pensam justamente que a dialética ascendente só tem sentido para preparar uma dialética descendente, têm muita razão em pensar que se trata para nós de produzir mais que reduzir. Mas esta produção é ela mesma o efeito de um ato de participação pelo qual não cessamos de descobrir, sem jamais esgotá-la, a riqueza infinita do Ser.
12. Dualidade
A participação explica e exige a dualidade, no mim, de um espectador que contempla o mundo, e de um ator que contribui para produzi-lo e só lhe dá seu sentido.
A participação exige que haja em nós um espectador que contempla um mundo que não fez, e um agente que se introduz nele de uma maneira muito mais profunda e contribui para modificá-lo, isto é, para produzi-lo. Ora, aqueles que se atêm ao espetáculo puro são incapazes de compreender o sentido que o mundo pode ter. A própria existência deste espetáculo é para eles um contínuo milagre. Ao contrário, se consideramos no mim a atividade que exerce, e pela qual se determina, é evidente que tal atividade é necessariamente orientada, e, buscando o que lhe falta, dá um sentido, ao mesmo tempo ao espetáculo do mundo sem o qual seria incapaz de se inserir ela mesma no mundo, a todos os fins que pode perseguir, a todos os objetos que estão em relação com estes fins e sem os quais seria impossível tanto pô-los quanto atingi-los. O que não quer dizer que é nossa vontade que dá seu sentido ao mundo, mas é uma reflexão de nosso intelecto sobre esta própria vontade, desde que reencontrou a fonte da qual procede e o termo para o qual tende.
13. Objetividade
O sentido pode ser definido como a objetividade do valor.
O sentido não pode ser definido independentemente de uma orientação no tempo que supõe um certo desígnio da vontade, e por conseguinte certos motivos que a dirigiram. Nos permite por conseguinte compreender uma certa sequência de eventos, assim como a ordem de sua subordinação. Pode-se, portanto, dizer que o sentido nada é mais que um outro nome da finalidade. Mas esta finalidade permanece ainda objetiva. Pode ser apenas observada de fora. Embora as coisas tenham para nós um sentido, não acontece sempre que, este sentido, o aprovemos e sejamos dispostos a tomá-lo, por assim dizer, a nosso cargo. Mas o valor solicita nossa própria vontade, e mesmo toda vontade, de tal sorte que o sentido que dá às coisas exige que eu colabore para produzi-lo. O sentido é compreendido por mim enquanto é querido por um outro, mas o valor, desde que é reconhecido, deve ser querido ao mesmo tempo por mim e por todos. De tal sorte que o sentido pertence ao intelecto mais ainda que ao querer, ou ao menos a um querer que ainda não possui todos os seus títulos. Implica um valor suposto, mas que pode ser ainda contestado. É também um gênero do qual o valor é uma espécie: é ainda abstrato em relação ao valor, que lhe dá uma suprema determinação. O sentido é sempre abstrato: só se acaba quando é querido; então é valor.
14. Valor
O sentido implica o valor e o chama.
Seria tentado a confundir o sentido com o valor: por mais estreita que seja sua conexão, pode-se distingui-los porém. Diz-se igualmente de uma coisa que não tem sentido e que não tem valor. Mas o sentido é, se se pode dizer, o valor intelectual. E é por isso que a inteligência, que compreende tudo, compreende também tanto o mal quanto o bem. O ato de compreender é ele mesmo um valor, mas se aplica por sua vez ao discernimento dos valores. É por isso que reconhece, nas próprias coisas, um bom sentido e um mau sentido. E o bom senso é a própria faculdade que julga deles. Ora, compreende-se bem que no bom senso, haja uma certa intenção geral orientada para o valor, o que é a razão pela qual o bom senso tem um alcance teórico e prático ao mesmo tempo. Voltando à noção geométrica de sentido, para distingui-la da noção de direção, pode-se dizer que se conta um sentido positivo e um sentido negativo, o que permite, mantendo a orientação de nossa atividade segundo a linha do valor, compreender como a liberdade pode se decidir contra ela tanto quanto a favor dela.
Poder-se-ia dizer que o sentido implica apenas a orientação da consciência para um objeto, antes mesmo que este objeto seja dado. E este sentido não exclui necessariamente o erro nem a falta, quando implica um desconhecimento do valor. Mas o valor está na própria realidade que nos é oferecida, contanto que esteja em relação com uma intenção reta, isto é, que atribua a esta realidade o lugar que lhe pertence, para fazer dela um uso onde a hierarquia das potências da alma será ela mesma respeitada. Só nesta conta, toda espécie de realidade toma o caráter do valor. E não há nada no mundo que não possa ser valorizado. Enquanto o sentido só nos dá a presença do objeto, o valor nos dá sua conveniência não apenas conosco, mas com o absoluto.
15. Compreensão
Descobrir o sentido é compreender, isto é, restabelecer as relações entre cada termo isolado e todos os outros.
Encontrar o sentido de uma coisa é compreendê-la. Ora o que não compreendemos é o que permanece para nós isolado. O que compreendemos é aquilo de que percebemos as relações com todos os outros modos do ser, e que, se se pode dizer, evoca sua totalidade. Como se houvesse uma inteligibilidade necessária do todo do ser, residindo numa infinidade de relações ao mesmo tempo pensadas e queridas. Contudo, é preciso ser atento aqui a este sentido etimológico da palavra compreender, que quer dizer abraçar: pois se trata menos de fazer caber o real em nosso espírito como numa espécie de continente, que de lhe permitir reencontrar nas próprias coisas uma espécie de continuidade da qual é a testemunha. Compreender é apreender, como mostra bem a linguagem mais comum; mas em que momento se pode apreender ou que se apreende, senão esta espécie de apelo mútuo das coisas ou das ideias umas pelas outras, que cessa de no-las fazer parecer estranhas ou de nos fazer parecer estranho a elas e parece fazer coincidir sua presença com nossa própria presença a nós mesmos?
Se é o sentido de cada coisa que a consciência busca atingir, compreende-se muito bem que a ausência de sentido coincida com o momento em que a consciência retira seu interesse à coisa. Dizemos então que é insignificante. Mas dizer que é insignificante é, retirando-lhe toda relação conosco, retirar-lhe o próprio ser que lhe pertence. Que permaneceria dela, então, que uma espécie de aparência evanescente que não deixa nenhum traço no mundo, ou ao menos sobre as coisas que contam para nós no mundo, e não entra em relação com nenhuma das funções da consciência? Dizer que uma coisa é para nós insignificante é rejeitá-la nós mesmos ao nada. O que não saberia impedir que reencontre um sentido para outros que para nós mesmos, e para nós mesmos também, desde que conseguimos adotar, por um momento, a perspectiva através da qual a consideram.
Daí, pode-se tirar a importância da linguagem. Pois o próprio da linguagem não é de modo algum como se acredita designar a coisa, mas apenas o sentido da coisa, de tal sorte que, como quer Husserl, viso a coisa pela linguagem num ato significativo, a fim de atingi-la ela mesma num ato intuitivo. A ligação da linguagem e do pensamento mostra como as palavras, que são coisas também, se distinguem porém das coisas, tornando-se apenas os veículos do sentido. Assim pode-se dizer que toda discussão filosófica ou ao menos lógica incide naturalmente sobre o sentido das palavras e que é preciso ser capaz de reconhecer este sentido para poder aplicá-lo às coisas quando estão ausentes e que buscamos, por assim dizer, evocá-las, seja para nós mesmos, seja para os outros.
16. Participação
A chave da descoberta é fornecida pela teoria da participação que permite superar o conflito do empirismo e do racionalismo.
O conflito do empirismo e do racionalismo exprime a oposição entre dois caracteres do conhecimento que cada uma destas doutrinas considera isoladamente. Pois o próprio do empirismo é mostrar que não criamos o objeto do conhecimento, que é para nós um objeto do qual é preciso que tomemos posse, que se revela a nós como um dado do qual os sentidos são os instrumentos. Mas o racionalismo não tem dificuldade em mostrar em contrapartida que não conhecemos nada senão por um ato da consciência, que é por este ato que o conhecimento se torna nosso, que é ele que julga do verdadeiro e do falso. Donde esta dupla consequência, no empirismo, que o dado nos basta, sem que tenhamos que nos inquietar com sua origem, e no racionalismo, que é o ato, pois só há objeto do conhecimento por ele, de sorte que é ele que o produz. Mas se se pensa que nossa atividade é uma atividade participada, e que, aquilo de que participa, não é um real que seria heterogêneo ao seu exercício, mas uma atividade infinita que assume segundo suas forças, então se compreenderá sem pena que esta atividade, com efeito, não pode nada criar: parece sempre atenta e intencional, isto é, formal e inacabada, como um apelo para um conteúdo que não pode ela mesma se dar. Mas em virtude da indivisibilidade da atividade da qual participa, diremos que este conteúdo lhe é necessariamente dado como uma espécie de excesso que é obrigada a sofrer e que lhe faz sentir sua própria limitação. Este excesso não é um dado em si, expressão que não tem sentido, mas lhe aparece sob a forma de um dado, porque se lhe impõe como a própria marca da fronteira de seu poder, e do enriquecimento que pode ainda receber de fora. Esta concepção tem cinco vantagens: 1° restitui o papel original da operação e do dado no interior de cada conhecimento particular, tal como se pode observá-lo na experiência mais comum; 2° permite deduzir a oposição da matéria e da forma que todas as teorias do conhecimento desde Aristóteles até Kant consideram como um postulado de onde é preciso partir (e que se reencontra na distinção do objeto e do sujeito); 3° explica, pela primeira vez, a correspondência entre a matéria e a forma sobre a qual falharam todas as doutrinas, em particular o kantismo, mostrando como o dado é evocado pela operação à qual acrescenta, mas que desenha sua forma; 4° permite deduzir as operações possíveis do pensamento, isto é, as categorias, ao invés de dar delas uma enumeração rapsódica ou puramente descritiva, pois são as próprias condições da participação, isto é, os meios fora dos quais não se poderia conceber a inserção no ser de um sujeito particular; 5° explica tanto a teoria do valor quanto a teoria do conhecimento. Pois o valor, ele também, foi considerado, ora como residindo num ato criador que supera todo dado concreto, e ora como um dado afetivo (cujo tipo mais simples era o prazer) e que a consciência só podia registrar. Contudo não há valor, com efeito, sem um ato que, pondo-o, nos engaja, mas que ele mesmo tem necessidade de ser confirmado e que só pode sê-lo superando-se num dom que a consciência deve receber, que se lhe acrescenta e que a cumula. Compreende-se agora como toda descoberta particular, em todos os domínios, tem por objeto determinar em cada ponto a correspondência de uma operação e de um dado.
17. Esclarecimento
O próprio do conhecimento é esclarecer o dado, não aboli-lo.
A coincidência do dado e da operação mostra que só há ciência do individual. Pois a presença do dado é exigida na descoberta; é sobre ela, poder-se-ia dizer, que incide a descoberta, ou ao menos é nela que se acaba. Pode-se bem dizer que o dado permanece para nós um mistério enquanto não o religamos à operação, sem a qual não teria sentido. Mas a própria operação só é realizável contanto que abranja um dado, de tal sorte que o próprio da descoberta será sempre, não apreender o inteligível, mas tornar inteligível tal dado. Em nenhum caso o inteligível pode nos bastar, pois não seria então o inteligível de nada e não é preciso dizer que o dado, enquanto o supera, é ele mesmo ininteligível; pois tal superação exprime precisamente o que falta ao inteligível para atingir a realidade. O dado não é, portanto, uma espécie de excesso que deveria se resolver no inteligível, se nosso conhecimento pudesse ser levado mais adiante. É preciso dizer, ao contrário, que o individual concreto se descobre a nós no inteligível como na luz que o esclarece; querer absorvê-lo e aniquilá-lo nesta luz seria acreditar que a descoberta seria mais pura se só tivéssemos que ver com seu ato e que a despojássemos de seu objeto.
18. Dissociação
A descoberta dissocia o possível do atual a fim de fazê-los em seguida coincidir.
A descoberta é a colocação em relação do possível e de sua atualização. É a participação que nos obriga a opô-los de tal sorte que haja em nós uma atividade que penetra na própria essência do ser, mas de tal sorte porém que, para atingir a existência, tenha ainda necessidade de um dado que lhe responda, que venha de fora e que é incapaz de criar. A descoberta consiste precisamente nesta dissociação do possível e do atual que é necessária para que possam em seguida coincidir. É por isso que pode tomar três formas diferentes: a saber a do ato que põe a possibilidade quando só tínhamos que ver ainda com o dado atual, a do dado que atualiza a possibilidade quando o espírito dispunha apenas desta, a enfim da coincidência deste ato e deste dado quando os possuíamos ao mesmo tempo, mas sem ser capaz de reuni-los, como acontece em todos estes clarões que iluminam um conhecimento que já estava em nós sem que o tivéssemos ainda percebido.
19. Futuro
A descoberta está voltada para o futuro, não apenas porque tem para nós um caráter de novidade, mas é no futuro que é a descoberta do sentido, isto é, do ato que dá sua significação ao dado e que tem necessidade do futuro para se exercer.
Pode-se dizer que a descoberta é sempre a da significação, consistindo a significação sempre na confrontação do ato e do dado. Mas esta confrontação pode ser interpretada ela mesma de outro modo. Pois a oposição do ato e do dado só se realiza no tempo. Ora o dado é um presente voltado do lado do passado e que nos acorrenta, enquanto o ato é um presente voltado do lado do futuro e que nos liberta. Assim a descoberta que, à primeira vista, nada é mais que o encontro de algum dado novo que parece por conseguinte sempre uma incursão para o passado, só merece porém este nome se é ao mesmo tempo o ato que nos permite reencontrar este dado, de tal sorte que é uma abertura sobre o futuro, mais ainda que uma incursão para o passado. Ou ao menos esta só tem valor para nós em vista daquela, como se vê na descoberta da América, que não bastava encontrar, mas que era preciso ter os meios de reencontrar sempre.
Neste sentido, a descoberta pode ser definida como a conquista de um futuro do qual fazemos doravante nosso passado. Mas esta definição não pode bastar, pois é preciso que o mundo seja para nós uma perpétua descoberta e só pode sê-lo pela percepção do sentido, que não é cumprida uma vez por todas, mas que deve sê-lo sempre de novo, porque reside numa operação do pensamento e do querer que deve ser sem cessar refeita, numa atualização do possível, onde o futuro renasce sem cessar para ser convertido em presente.
20. Exploração
A palavra descoberta parece implicar primeiro uma exploração espácio-temporal do mundo, isto é, que a descoberta se apresenta primeiro como histórica e geográfica; mas só merece este nome pelo uso que nossa atividade é capaz de tirar dela.
Se a descoberta afeta primeiro um caráter espacial e temporal, é porque só se considera primeiro nela um dado que revela, mas que não cria, e que, por conseguinte, é necessariamente situado no interior destes dois meios, que são as próprias condições de nossa experiência. A descoberta aparece, portanto, como um enriquecimento perpétuo do horizonte histórico e geográfico. Não é aí porém senão seu aspecto exterior. Pois nada é senão pelo próprio ato que se o dá, que dele dispõe, que dele faz o ponto de aplicação e o efeito de um exercício de suas potências pelo qual a consciência se enriquece ela mesma indefinidamente. Só neste momento se tem que ver com uma descoberta verdadeira, cujo valor não cessa de crescer por uma espécie de reação mútua indefinidamente prosseguida entre a solicitação que dirigimos ao real e a resposta que o real não cessa de nos fazer.
21. Descrição
A descoberta não contém nada mais que uma descrição do real tal como nos é dado: mas reside na passagem da necessidade de uma experiência que não podemos recusar à necessidade de uma ordem que nos satisfaz.
Pode-se bem dizer da descoberta que implica uma descrição do real tão exata e tão fiel quanto possível, que avança sem cessar além de seus limites atuais e que não negligencia nenhum dos elementos do real, nem os dados empíricos, nem as operações da inteligência, nem as relações que unem estes dados e estas operações. Mas parece que se pode reduzi-la à percepção destas relações, porque reside menos na revelação de um aspecto sempre novo do mundo que na de uma unidade e de uma continuidade do espírito e do mundo. Mas então, a uma necessidade que o mundo nos impõe na pura experiência que dele temos, se substitui uma outra necessidade que é a de uma ordem que dá satisfação ao nosso espírito e pela qual as coisas nos aparecem tais que não possamos nem pensá-las nem querê-las outras que não são. A descoberta incide sempre sobre uma ordem inteligível que é tal que a ordem lógica proposta à nossa inteligência se acaba numa ordem moral que pertence à nossa ação realizar.