Criadora
42. Interesse
A análise começa sempre segundo uma linha de interesse determinada, e se prossegue segundo linhas de interesse divergentes tendo por origem cada revelação nova da análise.
Não basta considerar toda descoberta como um efeito da análise. O importante é saber como a análise começa. Mas se o todo, ao qual a análise se ataca (num ato que é um ato de participação mais que um ato de divisão), nos permanece sempre presente, e se todos os elementos que o formam são solidários, não há um começo absoluto válido para todas as consciências. Cada uma delas segue uma certa linha de interesse, ao final da qual a atenção destaca um dado correlativo da operação que o liberta. E este primeiro efeito da análise suscita um novo interesse, que engaja a atenção numa via divergente; só parece haver aí arbitrariedade porque não se classificam os diferentes interesses que podem agulhar o movimento da consciência: o interesse da implicação dedutiva é um, mas há também o interesse de uma difusão ou de um aprofundamento emotivo, de um acréscimo de potência, etc. Para reservar a um deles toda a energia da consciência, é preciso combater todos os outros que se encontram sempre associados com ele em todos os movimentos concretos de nossa vida. O essencial é, portanto, na aplicação do método, definir exatamente a linha de interesse que se quer seguir.
43. Solidariedade
Todos os conhecimentos particulares formam um todo onde reina uma solidariedade circular.
A reversibilidade da análise e da síntese é ela mesma apenas um sinal da solidariedade circular de todos os nossos conhecimentos: cada uma destas operações é definida por nossa preocupação seja de atingir o elemento último (operação ou dado) que termina a análise, seja de reencontrar, partindo deste elemento e compondo-o consigo mesmo, os efeitos de uma análise menos levada sobre os quais se havia alternadamente parado nossa atenção antes de atingi-lo. A síntese aparente aqui nada é mais que a relação estabelecida inversamente entre as operações sucessivas pelas quais a análise se prosseguiu. Mas a análise não persegue necessariamente o simples. Toda espécie de análise destaca no real um aspecto, uma perspectiva, dos quais sabemos bem que nem um nem outro se bastam, embora nos permitam igualmente reencontrar, tomando-o como ponto de partida, com os outros aspectos, todas as outras perspectivas que podemos isolar no interior do real.
44. Constituição
A análise não consiste em separar as partes constitutivas de um Todo, mas em fazê-las aparecer de tal maneira que este próprio Todo se constitua como todo.
À primeira vista, nada mais estéril que a análise, pois consiste, parece, em isolar num Todo partes que aí já se encontram. Mas de fato, não é assim. A análise é criadora. E as partes só estão presentes no todo em potência, e não em ato. Cada operação da análise é original: é uma invenção; é um produto da liberdade, e poderia não ter lugar. A análise é, se se pode dizer, a Análise do ato puro tal como é realizada pela participação. Cada uma das operações da participação, sendo incompleta, chama um dado que lhe responde. E o todo é posterior à análise, ao invés de lhe ser anterior: contribui para formá-lo mais que o supõe. Mas é um todo sempre aberto, no sentido de que novas operações de análise fazem aparecer nele sem cessar novas riquezas.
45. Correlação
A correlação entre as operações e os dados se reencontra na análise, que é indivisivelmente em nós uma análise de nossas potências e fora de nós uma análise das coisas.
A própria análise é uma operação do espírito, mas não subsiste isoladamente, faz sempre aparecer um dado que lhe é correlativo. O espírito, naturalmente voltado para o objeto, pensa que uma operação sempre idêntica faz aparecer no mundo coisas sempre diferentes. Mas em realidade as operações do espírito nunca são as mesmas, e diferem umas das outras como os próprios dados aos quais se aplicam, seja como pensa o empirismo, que esposam a forma destes dados, seja, como pensa o idealismo, que a produzem. Mas nenhuma destas duas concepções pode explicar a correlação das operações e dos dados, que é de uma natureza um pouco diferente: pois a operação chama o dado, ao invés de supô-lo. Mas porém não o cria, pois o dado exprime no mundo isso mesmo que falta à operação. Somente não é preciso acreditar que a análise incide sobre um mundo preexistente onde se limita a recortar dados: e mesmo não se pode se contentar em pensar que estes dados traduzem apenas o contorno da operação. Pois a operação, desde que começa a se cumprir, é ela mesma a análise da potência indivisa do mim. De tal sorte que é a própria análise desta potência que suscita a análise do real em dados diferentes, e que os faz por assim dizer eclodir, para que venham responder à diversidade de nossas operações.
46. Diversidade
Esta análise faz aparecer a tripla diversidade das consciências, das ideias e das coisas.
A análise que sustenta todas as outras e que as torna possíveis é a que faz aparecer no mundo uma multiplicidade de consciências diferentes. Mas inversamente, seria preciso dizer que é cada consciência particular que é o próprio instrumento de toda análise. De tal sorte que é ela mesma causa e efeito da análise, o que aparecerá como menos surpreendente se não se esquecer que ela mesma só pode se constituir por uma participação do mim individual no espírito puro. Pode-se agora fazer corresponder a multiplicidade das ideias a uma análise efetuada pelo mim transcendental, a multiplicidade das coisas a uma análise efetuada pelo mim individual. Mas, de fato, a diversidade das ideias e das coisas, se se reencontra nas primeiras a operação que as pensa e nas segundas as sensações pelas quais se revelam a nós, nada faz mais que traduzir a correlação da operação e do dado.
47. Universalidade
O método só tem sentido para um sujeito, mas é preciso que possa ser praticado por todos os sujeitos.
O próprio do método é ser um caminho, o caminho segundo o qual um sujeito se propõe percorrer, segundo uma ordem regrada, todos os domínios do ser descobrindo as conexões que os unem. E mesmo pode-se dizer que o caráter próprio do método é ser uma espécie de relação entre a atividade da consciência finita e a totalidade de seu objeto possível. Que esta relação implique uma regra, é o sinal ao mesmo tempo das exigências de nosso espírito e de sua subordinação necessária ao todo que busca explorar. Contudo o método é sempre uma escolha operada por uma liberdade, e mesmo pode-se conceber que, no método, as disposições do sujeito individual possam entrar em consideração: assim se vê cada homem, contra o parecer de Descartes, adotar até um certo ponto um método que lhe é próprio. Porém, entende-se em geral por método regras que podem convir não apenas a tal sujeito, mas ao sujeito em geral. Ou ao menos só se retém no método regras que podem ser praticadas por todos, embora possa pertencer a cada um precisá-las em sua aplicação por uma metodologia individual.
48. Valores
Como o mundo sensível preenche o intervalo entre o sujeito individual e o sujeito transcendental, e o mundo das ideias o intervalo entre o sujeito transcendental e o sujeito absoluto, o mundo dos valores preenche o intervalo entre o sujeito individual e o sujeito absoluto.
Não é preciso esquecer que o sujeito transcendental é apenas um intermediário entre o sujeito individual e o sujeito absoluto. Mas a existência só pertence a este e àquele. É preciso, portanto, pô-los em relação imediata um com o outro, e não apenas pelo intermédio da ideia. É aí o papel desempenhado pelo valor. No valor, cada coisa, cada pensamento, cada ação se absolutiza. Aparece como o objeto de uma vontade suficiente que se encontra, por assim dizer, cumprida por ela. O sujeito cessa de ser um indivíduo isolado, não é mais um ser finito em geral, isto é, um abstrato, mas adquire, no mundo, em si mesmo e em sua relação com todos os objetos aos quais se aplica, uma significação que o eleva acima de si mesmo, o justifica e o eterniza.
49. Foco
O sujeito é uma espécie de foco de onde irradiam um conjunto de operações em conexão mútua, que devem permitir derivar todos os aspectos da experiência real ou possível.
O espírito sempre se deixou seduzir pela ambição de tirar de si mesmo a representação do mundo. E é a quimera desta empresa que conduziu os filósofos a opor sempre uma matéria a uma forma. Mas esta ambição devia fracassar, sobretudo por falta de um estudo bastante aprofundado da natureza do sujeito. Pois se fosse uma pura atividade criadora, vê-se mal por que teria necessidade de criar um mundo, e por que este mundo seria tal e não outro, por que não seria o objeto de um capricho arbitrário. Mas se o sujeito comporta necessariamente uma união inseparável do indivíduo, da razão e do espírito absoluto, então se compreende sem pena por que a simples relação mútua entre estes três aspectos do sujeito deve produzir, não sem dúvida a experiência concreta que não pode ser mais deduzida que a própria existência do sujeito, e que lhe é correlativa, mas as condições de possibilidade desta experiência, na escala dos valores, dos conceitos, ou das qualidades sensíveis. É que o sujeito é um foco de onde irradiam uma pluralidade de operações interdependentes que, por sua relação mútua, permitem definir os diferentes domínios da experiência.
50. Inscrição
Nossa inscrição no mundo só pode ser realizada pela distinção entre os três modos da subjetividade.
É evidente que se não fôssemos nada mais que uma parte do mundo, não poderíamos saber nada dele. Este conhecimento só poderia ser adquirido por um ser que sobrevoasse o mundo e que não seria mais nós mesmos. Ora, abraçamos o mundo numa perspectiva que é apenas individual, e aquele que não a supera se encerra ele mesmo num idealismo solipsista. Mas, ao mesmo tempo, pensamos a nós mesmos enquanto temos sobre o mundo uma perspectiva individual, e que somos em relação ao mundo um centro de referência único e privilegiado: por aí e ao mesmo tempo pensamos também os outros seres, que são para nós centros de referência diferentes. Então podemos nos pensar a nós mesmos como fazendo parte de um mundo considerado não como uma pluralidade de objetos, mas como uma pluralidade de consciências. O sujeito em geral exprime, portanto, já a unidade do mundo enquanto não é rompida pela diversidade das perspectivas individuais. Somente, para que a unidade deste mundo não seja puramente abstrata, é preciso que todas estas consciências reais sejam, não apenas semelhantes entre si, mas ainda unidas na participação comum de uma subjetividade absoluta.
51. Tripla relação
A ideia, o conceito e a categoria exprimem a operação do sujeito transcendental em sua tripla relação com o sujeito psicológico, com o sujeito absoluto ou consigo mesmo.
Nada mais difícil que distinguir o sentido dos três termos: ideia, conceito e categoria, que se confundem quase sempre. A ideia é o objeto próprio do sujeito transcendental, que exprime a distância entre a atividade que exerce e a atividade do sujeito absoluto: no intervalo aparece a ideia, pela qual o sujeito absoluto revela ao sujeito transcendental a própria infinidade de seu ato como um dado que o supera sempre, e que nunca acabou de esgotar. Mas a ideia não é o conceito; este é a definição; só tem sentido em relação à experiência e exprime uma construção abstrata que se refere, seja diretamente seja indiretamente, à experiência do sujeito psicológico, como se vê no conceito matemático e no conceito empírico. A própria categoria é a lei segundo a qual age o sujeito transcendental sem me fazer conhecer nenhum objeto, ideia, nem conceito: exprime as condições absolutamente gerais da participação e fornece os modos pelos quais posso pensar a experiência. Mas um mesmo termo pode servir para designar uma ideia, um conceito ou uma categoria. Há assim uma ideia do espaço, que Malebranche por exemplo tentou apreender sob o nome de extensão inteligível, um conceito matemático do espaço definido por postulados, e uma categoria do espaço que resulta do próprio ato pelo qual, para pensar a experiência, somos constrangidos a distinguir sempre, de fato como de direito, partes simultâneas e exteriores umas em relação às outras. Aqui é a atividade do sujeito transcendental, que se define ela mesma como a ligação do sujeito absoluto e do sujeito psicológico, que permite a um participar do outro. Cria as condições que permitem ao sujeito absoluto se dar ao sujeito empírico como um imenso dado no qual está ele mesmo situado. A ideia exprime, portanto, a operação do sujeito transcendental enquanto olha para o sujeito absoluto; o conceito, a mesma operação enquanto olha para a experiência do sujeito psicológico; e a categoria, enquanto os une, isto é, exprime a função própria do sujeito transcendental em sua relação consigo mesmo.
52. Ascendente
A dialética ascendente chama uma dialética descendente que é de uma outra natureza e da qual não se pode dizer que a recobre.
A descrição que fizemos da reflexão corresponde assaz bem ao que se pode chamar uma dialética ascendente. O próprio desta dialética sendo remontar do condicionado até suas condições, é preciso que estas condições sejam heterogêneas ao condicionado. Assim pode-se dizer que remonta sempre do objeto ao sujeito, e que é impossível que se eleve mais alto. Conduziu-nos, para consumar a teoria do sujeito, a distinguir entre o sujeito psicológico, o sujeito transcendental e o sujeito absoluto mostrando quais são as relações que os unem. Mas se agora descemos, é evidente que a dialética que parte do sujeito não pode mais recobrir as etapas da dialética que partia do objeto. Pois a dialética ascendente cessa de se interessar pelo objeto, se limita a lhe pôr as condições; e num certo sentido, é uma dialética do sujeito que só retém a diferença entre seus modos ou seus graus. A dialética descendente, ao contrário, se interessa pelo objeto; é constrangida a determinar sua essência. Não se fica impressionado, por conseguinte, com esta objeção, que a dialética descendente seria estéril pois não teria outro benefício que nos fazer reencontrar o que a dialética ascendente já nos havia descoberto sucessivamente, pois estas duas dialéticas têm cada uma seu caráter original e nenhuma delas pode representar o papel da outra. Pois diz-se que é fácil remontar do objeto a suas condições, mas estas condições sendo postas, o que nos autoriza, senão o próprio fato, a declarar que tal condicionado está com efeito realizado? Mas o próprio da dialética descendente é precisamente nos mostrar por que o sujeito sendo o que é, sua constituição interna sendo estabelecida, é preciso que o mundo nos apareça também como sendo o que é. Não que apareça como uma consequência necessária, um sistema lógico bloqueado que decorre impiedosamente de um princípio absoluto ao qual a dialética ascendente nos teria permitido chegar. Ou se pode haver lugar neste sistema para a contingência e a liberdade, ao menos este lugar deverá ser fixado. Em realidade, sabemos bem que a dialética ascendente inteira só é feita para preparar uma dialética descendente. Tal é o sentido natural de todas as demandas de explicação que formulamos; e nos interessamos menos pela maneira como as coisas podem ser reduzidas que pela maneira como podem ser produzidas.
53. Descendente
A dialética descendente toma como ponto de partida a atividade constitutiva do sujeito definindo-a como uma participação.
Não é necessário tomar como origem da dialética descendente a distinção que a reflexão estabeleceu entre o sujeito psicológico, o sujeito transcendental e o sujeito absoluto, embora estas distinções devam se reencontrar no detalhe da análise. No ponto onde estamos, basta definir a consciência como realizando a participação do sujeito psicológico no sujeito absoluto pelo meio do sujeito transcendental. O sujeito transcendental pertence por conseguinte ele mesmo ao mundo da participação. A dialética descendente vai, portanto, ter por objeto seguir as diferentes etapas segundo as quais a participação poderá se realizar. Poder-se-á distinguir de uma parte condições de possibilidade abstratas que se pode chamar as categorias, e de outra parte os objetos reais dos quais determina para nós o aparecimento e que oferecem por assim dizer um conteúdo seja ao pensamento, seja ao querer.
54. Operação
A atividade de participação se exprime primeiro sob a forma de uma distinção entre a operação e o dado.
Do momento que a atividade da consciência é definida como uma atividade de participação e que porém esta atividade é ela mesma indivisa, é inevitável que uma separação se introduza nela entre a operação que cumpre com efeito e o que a transborda, que, sendo operação no sujeito absoluto, só pode se manifestar, no sujeito transcendental ou no sujeito psicológico, sob a forma de um dado em relação com esta operação: como se vê quando se considera seja as ideias, seja as coisas.
Tal é a distinção fundamental pela qual a consciência se define e que se deve reencontrar em todas as suas operações. É quando é superada que se produz a descoberta. O que não é um retorno à indivisão, pois na descoberta teremos que ver com uma correspondência determinada entre a operação e o dado, ao invés de que anteriormente à sua divisão, não era ainda nada, o que mostra assaz que, se a dialética é uma análise, é ao menos uma análise criadora. O caráter original desta distinção é permitir ao próprio mim se constituir por uma relação entre os dois termos que funda sua liberdade, embora, em sua operação, não haja nada que não haure acima de si, e nada, no dado, que seja capaz de criar totalmente e que não pareça receber do mundo.
55. Possibilidade
Na mesma operação uma distinção pode ser estabelecida no plano lógico entre a possibilidade e a realidade.
Esta distinção entre a operação e o dado se apresenta sob uma outra forma quando se coloca do ponto de vista lógico. Então podemos dizer do mundo dos dados que é um mundo real. E a operação exprimirá apenas em relação ao real sua possibilidade. As noções aqui se apresentam, aliás, sob uma forma complexa, e um grande número de relações aí se encontram de algum modo imbricadas: uma coisa nos parece real quando, nela, consideramos o dado de preferência à operação, e possível quando fixamos o olhar sobre a operação mais que sobre o dado. É assim que a ideia é uma realidade em relação ao ato do entendimento que lhe exprime a possibilidade, mas que, se a consideramos, sob sua forma global, como um ato de pensamento, é um possível em relação à própria coisa, que se pode considerar como o objeto de tal ato. Não há até o sujeito psicológico que não seja preciso considerar como real se se olha seu conteúdo ao qual nossa atenção se aplica, e como possível se o pomos em relação com alguma mudança física que prepara ou que traduz. Assim se justifica esta ideia de que o possível e o real são um e outro modos do ser, ou, como se diz hoje, regiões ou domínios do ser, longe que o possível seja anterior ao ser e o determine, como uma espécie de grau intermediário entre o ser e o nada. Mas este intermediário não é nada. O problema da relação entre o real e o possível incide sobre a relação entre dois modos do ser, e as críticas simétricas de Bergson contra a concepção clássica do ser e do possível devem ser admitidas sem restrições: a saber que o nada é o ser riscado, e o possível, o real posto em questão, nos dois casos ideias que fazem igualmente parte do domínio do ser.
56. Espetáculo
Na operação uma distinção deve ser estabelecida no plano psicológico entre seu aspecto espetacular pelo qual apreende o dado enquanto dado e seu aspecto criador pelo qual contribui para produzi-lo ou ao menos para modificá-lo, isto é, entre o entendimento e a vontade.
A operação permanece sempre em correlação com o dado. Mas isto é possível de duas maneiras. Pois o dado exige ser apreendido enquanto dado: então, temos que ver com todas as operações do entendimento tomando esta expressão no sentido largo, isto é, estendendo-a da percepção mais elementar ao pensamento mais abstrato (isto é independente do detalhe da operação, que pode só chegar à apresentação do espetáculo graças a um jogo de convenções ou de construções que incorpora de uma certa maneira). E esta operação é ela mesma querida, pois a atenção é talvez seu ato essencial. Mas a vontade não se reduz à criação do espetáculo; este dado nos permaneceria exterior e heterogêneo se fosse apenas contemplado. É ainda preciso que possamos torná-lo nosso impondo-lhe nossa marca — não que possamos criá-lo totalmente (pois se tivéssemos este poder, não teríamos necessidade de criá-lo e não haveria para nós dado), mas modificando-o: o que é o papel próprio da vontade. Por toda parte onde age, muda a face do mundo; e é porque é limitada que não pode agir de outro modo; mas não agiria se este mundo não lhe fosse conhecido primeiro pelo entendimento. A oposição do entendimento e da vontade corresponde à distinção entre o mundo, enquanto não é nossa obra e que só podemos nos representar porque exprime a desproporção de nossa atividade própria e da atividade criadora, e o mundo enquanto ao invés de existir sem nós, depende de nós porém e sofre sem cessar nossa ação.
57. Querer
A ação do querer se estende sobre o mundo das coisas e não sobre o mundo das ideias, mas para impor precisamente ao mundo sensível a marca da ideia.
As ideias, exprimindo a relação do sujeito transcendental e do sujeito absoluto, superam necessariamente a atividade voluntária que, no sujeito transcendental, exprime sua relação com o sujeito psicológico. A vontade sem dúvida nos enraíza no ser e nos faz primeiro o autor de nosso ser próprio por uma espécie de relação com o absoluto que não podemos encontrar no mesmo grau na inteligência, pois é representativa do ser enquanto não somos nós: tal é a diferença entre contemplar e agir. Mas se há mais profundidade ontológica no engajamento voluntário, há mais altura no objeto ao qual se prende a contemplação. Pois a vontade encarna o absoluto, enquanto a contemplação o olha. Tal é a razão pela qual a vontade é sempre voltada para o mundo sensível, no qual é constrangida a tomar lugar. Não age, portanto, sobre o mundo das ideias, embora seja nele que haure todos os seus motivos de ação. E como o mundo sensível exprime precisamente o aspecto mais concreto e mais individual do mundo mas também o mais limitado, é evidente que é a ele que deve se apegar e que em virtude de sua própria origem, só pode relevá-lo e buscar lhe impor a marca da ideia. Mas o espírito age contudo inteiro em cada uma das regiões do ser, e tal é a razão pela qual a contemplação, ela também, busca relevar o sensível até o nível da ideia: é então a contemplação propriamente estética.
58. Conversão
A oposição do possível e do real permite uma conversão recíproca de cada um destes dois termos no outro, que coincide com a distinção do entendimento e do querer.
A oposição do possível e do real permite estabelecer no interior do sujeito uma circulação da qual se pode dizer que é sua própria vida, considerada em suas relações com o mundo. Há com efeito entre o possível e o real uma dupla conversão, tal que, se partimos do real, é o possível que buscamos atingir. É no momento de atingi-lo que dizemos que o pensamos: tal é com efeito a função própria do entendimento. Inversamente, não podemos pôr em questão o real senão pelo possível, e então é deste possível que partimos para tentar realizá-lo: tal é com efeito a função própria da vontade. Não podemos nem confundi-los, nem separá-los. E pode-se dizer que só remontamos do real à sua possibilidade (isto é, não o pensamos) senão a fim precisamente de poder agir sobre ele, e, contribuindo para produzi-lo, nos produzir também a nós mesmos.
59. Duplo
É inevitável que o método siga este duplo movimento, e, por conseguinte, que seja ao mesmo tempo um método do conhecimento e um método da prática.
No ponto onde chegamos, e embora o método filosófico seja um método propriamente teórico, podemos dizer que envolve nele ao mesmo tempo os problemas do conhecimento e os problemas da conduta. Um método para pensar é um método para agir. Um método de ação é também um certo método de pensamento. É que estes dois problemas são inseparáveis. Primeiro, pode-se dizer que o conhecimento envolve nele o querer que só pode tomar lugar na dialética por ele, mas também que o conhecimento supõe o querer e só se exerce graças a ele. Mas há mais: o conhecimento e o querer nos mostram os dois aspectos complementares pelos quais a participação se realiza; o que falta a um, é o outro que lho dá; contemplamos o que supera nosso querer, queremos este ser de nós mesmos e do mundo e das relações de nós mesmos e do mundo, que a pura contemplação é incapaz de nos dar. E é por isso que a cada uma das etapas da dialética, temos que definir a independência relativa e os modos de conexão entre o entendimento e o querer.
60. Modalidades
A distinção entre as três modalidades do sujeito se realiza pela participação, que implica uma dupla oposição da operação e do dado, e da possibilidade e da realidade.
Se o "eu" é apenas um mediador entre o "mim" e o "si", compreende-se sem pena que a distinção dos três modos do sujeito seja destinada unicamente a justificar a participação do ser individual no ser absoluto. Se se reduz a participação a dois termos, implica um participante e um participado. O participante é a própria operação pela qual a participação se realiza: produz-se sempre na escala do "eu"; quanto ao participado, é ato no nível do sujeito absoluto, e é dado no nível do sujeito individual. É por isso ainda que a participação, enquanto tal, supõe sempre a oposição entre uma operação e um dado. Mas da mesma maneira dir-se-á que supõe sempre uma oposição entre a possibilidade e a realidade, que a possibilidade se entregará sempre no nível do "eu", e que além da possibilidade, há o absoluto que é o ser onde haure, como há a atualização desta possibilidade no indivíduo, que constitui a realidade.
61. Possibilização
A reflexão nada é mais que a possibilitação do real.
É evidente que a reflexão é o ato pelo qual o sujeito toma posse de si mesmo, isto é, de sua subjetividade, e da atividade que lhe é própria, entendendo por aí uma atividade que o mim pode dizer sua, isto é, na qual não subsiste nenhum elemento passivo ou estranho, que penetra inteira e que pode justificar por razões. Ora esta atividade se descobre e conquista sua independência separando-se do real tal como lhe é dado, o que não quer dizer separando-se do Ser. Mas separando-se dele, lhe permanece ligada. A respeito do real que põe em questão, pode se definir como uma possibilidade. E pois não conhece nada mais que este real do qual, porém, se separa, mas que pode pensar e pensar outro que não é, ela é, se se pode dizer, a possibilitação de todo o real. O que se estende singularmente além do real tal como nos é dado. Mas quando se diz que, neste próprio ato, o sujeito não é estranho ao ser, seria recusar não apenas lhe dar todo conteúdo, mas impedi-lo de subsistir mesmo como ser formal, se se quisesse defini-lo de outro modo que como a possibilitação de todos os objetos possíveis.
62. Desígnio
A possibilitação do real não pode ser dissociada do desígnio que tenho sobre o real e que não pode consistir apenas em reencontrar a partir do possível o real que se deixou, mas em portar um julgamento sobre o real e modificá-lo.
Poder-se-ia supor que sou absorvido pela própria presença de uma realidade e por minha própria realidade tal como é dada, ou que me contento em me deixar portar por ela sem conseguir me libertar dela. É aí o que se produz na existência puramente espontânea, anterior ao exercício da reflexão. O ato da reflexão é o próprio ato de minha liberdade. É preciso contudo para que se exerça que encontre nas próprias condições de minha existência espontânea uma ocasião que lhe permita entrar em jogo ou que me permita apenas tomar consciência dela. É preciso dizer que é a insatisfação que ressinto diante da realidade tal como é dada? Mas esta insatisfação não é ela mesma senão um sinal da presença, em mim, de uma atividade que supera o dado, e que, precisamente porque porta nela o infinito, é capaz de dele se separar, de lhe pedir seus títulos à existência e de modificá-lo para buscar nele um testemunho sempre mais perfeito.
63. Regiões
Na totalidade do ser o real e o possível fornecem apenas regiões diferentes.
A dissociação do real e do possível, que é o ato próprio da reflexão, não nos faz deixar o domínio do ser, mas se produz no interior deste próprio domínio. Pois o possível não é nada, é um ser de pensamento. E se se alega que é preciso distinguir ainda entre o pensamento atual e o pensamento possível, de tal sorte que haveria a atualidade do pensamento, enquanto é a possibilidade do real, e a possibilidade de tal pensamento, enquanto não tem ela mesma nenhuma atualidade, responder-se-á que o próprio do pensamento atual é conter nele todos os possíveis, embora não sejam atualizados todos ao mesmo tempo na consciência psicológica, de tal sorte que não é preciso distinguir entre o possível pensado e o possível que não o é, mas que poderia sê-lo, pois no pensamento atual possui ele mesmo uma atualidade de implicação, embora não seja analisada. De tal sorte que, na totalidade do ser, o real e o possível fornecem apenas regiões distintas, que exprimem não apenas a oposição entre o pensado e o dado, mas ainda entre a infinidade do pensamento considerada em seu ato indiviso e todos os objetos particulares aos quais pode se aplicar, que se trate de ideias ou de coisas.
64. Eficácia
O possível não possui por si mesmo nenhuma eficácia, senão pela vontade que dele se apodera e o realiza.
A tendência objetivista do pensamento nos inclina a considerar o possível como tendo uma subsistência própria, como as coisas separadas que situamos no espaço. Mas o possível nunca pode ser separado do ato que o põe como possível. É mesmo a razão pela qual a possibilidade é o modo de existência próprio à consciência e às suas operações. E o possível exprime a própria unidade do espírito em sua dupla função intelectual e volitiva, pois pô-lo como possível é pô-lo como pensado, ou como suscetível de sê-lo (o possível é o pensável), mas é pô-lo ao mesmo tempo como suscetível de se realizar se certas condições se encontram dadas, em particular se é ele mesmo querido. De tal sorte que o termo possível implica sempre uma referência a uma certa correlação entre o pensamento e o querer.
65. Regressão
A regressão do mim individual para o mim transcendental nos permite passar da realidade à possibilidade, mas a regressão do mim transcendental ao mim absoluto nos obriga a passar da possibilidade ao valor.
É apenas a regressão do mim individual ao mim transcendental que me permite passar da realidade tal como é dada à possibilidade desta realidade, isto é, ao pensamento e ao querer. E, de fato, o sujeito em geral determina as condições sem as quais nenhum sujeito individual, nenhum objeto particular na experiência deste sujeito, poderiam ser realizados. Somente, é ainda preciso o ato que os realize, que nos permita passar da possibilidade da experiência à sua atualidade. Este ato só é possível contanto que remontemos até o princípio supremo da existência e da possibilidade, isto é, até o sujeito absoluto. A relação do sujeito em geral que é um sujeito abstrato, ao sujeito absoluto, que é a fonte concreta de tudo o que é e de tudo o que pode ser, nos permite passar da possibilidade ao valor, que é a relação de cada coisa com o absoluto. E a descoberta do valor nos obriga, não apenas a estabelecer uma ordem entre as possibilidades, mas a passar da possibilidade à realidade. Assim a própria ação do sujeito individual se encontra suspensa, pelo intermédio do sujeito em geral e da possibilidade, à existência do sujeito absoluto.
66. Tempo
Todo método é indivisivelmente regressivo e progressivo: se exerce no tempo e abole o tempo.
Parece que o próprio de toda explicação é partir de um dado e remontar, não propriamente às condições das quais depende, mas ao ato puramente interior ou espiritual que lhe dá um sentido, e do qual é ao mesmo tempo o limite e o efeito. Porém é o próprio exercício de tal ato, a iniciativa de que faz prova, sua direção e, se se pode dizer, seu caráter original em relação a todos os outros atos reais ou possíveis, que devem explicar o aparecimento deste dado entre todos os outros, sendo bem entendido que, como todos os dados são solidários uns dos outros e não subsistem isoladamente, da mesma forma toda operação que podemos cumprir é incapaz de se bastar e evoca todas as outras operações reais e possíveis que acabam, por assim dizer, de exprimir a eficácia infinita da qual o ato nos dá, sobre um ponto, um testemunho particular. É preciso, portanto, que haja um método progressivo, que o método regressivo chama, e mesmo que implica para ter ele mesmo uma virtude explicativa; mas, embora estes dois métodos se prossigam um e outro no tempo, é numa direção inversa; de tal sorte que a própria possibilidade de sobrepor assim a ordem do conhecer e a ordem do ser equivale a uma abolição do tempo numa espécie de substância eterna, onde o ser e o conhecer se identificam.
67. Ofertada
A possibilidade nos é sempre oferecida, embora seja a nós que pertence reconhecê-la como possibilidade antes mesmo de atualizá-la.
A possibilidade é sempre considerada como a condição e o limite de minha atividade, de tal sorte que se trata apenas para o sujeito de reconhecê-la antes de atualizá-la. A este respeito a possibilidade dá meios à atividade, mas constitui também seu limite. Contudo esta concepção não é sem perigo. Parece implicar que a possibilidade é uma coisa sempre em relação com uma existência, ela mesma definida de uma certa maneira, unida a ela por uma relação sobre a qual não temos domínio. Ora as coisas não se passam inteiramente assim. Pois há no Ato puro todas as possibilidades. E pode-se dizer que são postas à disposição do sujeito transcendental. Mas dependerá dele fazê-las aparecer como possibilidades distintas, para permitir ao sujeito individual, atualizando-as, constituir sua própria experiência de si mesmo e do mundo. E estas possibilidades parecerão criadas por ele, porque não tinham antes dele existência separada. Esta observação pode ser feita a todos os níveis da consciência. Pois não cessamos, nós também, de experimentar em nós a presença de uma possibilidade indeterminada que tentamos sempre dividir em possibilidades particulares. O próprio de nossa natureza individual é, pela limitação que lhe é própria, e os hábitos ou os estados já constituídos nela, só se abrir a algumas destas possibilidades que o sujeito transcendental busca sempre lhe estender. Mas, em direito, podemos dizer que nenhuma natureza se encontra tão estreitamente aprisionada em si mesma, que não possa se libertar por algum encontro ou sugestão feliz capaz de alargá-la além de toda esperança.
68. Atualidade
Minha atualidade é a atualidade de minha própria possibilidade que é a possibilidade de mim mesmo e do Todo.
Quando se busca em que consiste a existência de meu próprio mim, não se pode reduzi-la nem à de meu corpo, nem à de meus próprios estados, nem mesmo das tendências ou dos hábitos que constituem minha própria natureza e se impõem a mim malgrado mim. O mim só continua a merecer este nome enquanto é ainda uma possibilidade capaz de se atualizar, e de superar por conseguinte todas estas formações que são possibilidades já realizadas. Minha verdadeira atualidade é a possibilidade de mim mesmo; não é indeterminada, pois é por assim dizer orientada e já engajada, mesmo se é dela que busco me libertar, por tudo o que nela já se transformou em natureza. Porém um certo caminho se abre para mim, a partir do que sou, para as possibilidades mesmas que me são imediatamente oferecidas: minha situação no mundo, a ordem dos eventos no tempo, vão me permitir reconhecê-las, estabelecer entre elas uma ordem de urgência em sua atualização. Mas a participação cessaria, não seria mais unido ao ato absoluto pelo intermédio do sujeito transcendental, não faria mais eu mesmo parte do mundo, se todas as possibilidades não me fossem de alguma maneira presentes, de tal sorte que devo me definir indivisivelmente como a possibilidade do Todo, e como a possibilidade de mim mesmo.
69. Inversão
Há uma inversão característica na formação da ideia de possibilidade, que comporta primeiro uma redução do real como tal ao possível, e, por assim dizer, um caminho que remonta do mim individual ao mim transcendental, para se tornar em seguida um caminho no qual a possibilidade é o efeito de uma espécie de análise do ato puro, a fim precisamente de que possa ser atualizada pelo sujeito individual.
A possibilidade pode ser considerada sob dois aspectos diferentes: pois exprime primeiro uma redução do dado a uma operação do espírito, isto é, uma passagem do mim individual ao mim transcendental. Mas como esta conversão do dado em real pode se produzir? É evidente que supõe um retorno ao sujeito absoluto enquanto é a fonte real de tudo o que é e de tudo o que pode ser. O papel do sujeito transcendental é apenas mediatizá-lo, a fim de permitir ao mim atualizá-lo num sujeito individual. E isto só é possível por uma espécie de eleição em virtude da qual o sujeito transcendental toma emprestado sem cessar ao sujeito absoluto as possibilidades que estão em relação com as exigências ou as solicitações nascidas do sujeito individual, seja para explicar o que lhe é dado, seja para modificá-lo, no interior de certas circunstâncias derivadas de sua situação.
70. Participação
Há uma outra inversão característica da participação que faz que o Ato absoluto só possa ser considerado como um feixe infinito de possibilidades em relação a mim que nele participa, mas que em si mesmo é eficácia pura ou atualidade indivisa, de tal sorte que em relação a ele, são os sujeitos individuais e as coisas particulares que serão possibilidades que, neste nível, terão sempre necessidade de ser separadas, a fim de ser elas mesmas separadamente atualizadas.
Mas pode-se dizer que a teoria da consciência e a comunicação que se estabelece entre os três aspectos do sujeito são elas mesmas subordinadas a uma concepção ambígua da possibilidade, ou mesmo a uma inversão desta noção, segundo se considere a relação do sujeito individual com o sujeito absoluto, ou do sujeito absoluto com o sujeito individual. Só há possibilidade no nível do sujeito transcendental, mas esta possibilidade é fornecida pelo sujeito absoluto, e só tem sentido para o sujeito individual. Desde então, o sujeito absoluto na perspectiva do sujeito individual se torna um feixe infinito de possibilidades, que lhe são sempre propostas a ele mesmo e que nunca lhe faltam, embora não cesse de lhes faltar. Mas se consideramos o sujeito absoluto em si mesmo, é ato e não há nele nenhuma possibilidade separada: estas só intervêm quando a participação começa. Assim pode-se dizer que a respeito do mim absoluto, o próprio mim individual é apenas uma possibilidade, cuja atualização, à qual fornece sua eficácia própria, lhe é ela mesma deixada.
71. Criação
A criação do mundo é a criação das diferentes consciências.
Quando se fala da criação, entende-se frequentemente que incide sobre o universo dos objetos. Todavia nenhum objeto tem sentido senão para um sujeito, para uma consciência que o percebe fora dela, embora em relação a ela. De tal sorte que, não apenas há solidariedade entre o objeto percebido e o sujeito percebente, mas ainda há primazia do sujeito percebente em relação ao objeto percebido que exprime sempre o que, no todo do ser, limita sua própria operação, mas ao mesmo tempo a acaba e lhe responde. A criação das consciências aparece, portanto, como a própria condição da criação do mundo dos objetos e não o inverso, de uma parte porque as consciências são seres dos quais os objetos são fenômenos, em seguida porque o mundo dos objetos é o meio pelo qual as diferentes consciências se distinguem umas das outras e porém comunicam. Mas a própria criação nada é mais que uma participação sempre oferecida, e tal que, o próprio do ato infinito sendo não se bastar, mas se dar, e mesmo se dar infinitamente, este dom, para ser o dom de si mesmo, isto é, aquele de um ato e não de uma coisa, só pode ser o de uma possibilidade que cada ser atualiza, tornando-se assim, na passagem da possibilidade à atualidade, o criador de si mesmo: o que é a própria definição de uma consciência. O mundo exprimirá todas as condições que devem ser reunidas para que esta possibilidade possa se formar, mas uma vez que o são, sua tomada de posse, o uso que podemos fazer dela, exprimem uma espécie de relação recíproca no interior da participação entre o absoluto do ato puro e o absoluto de nosso ato livre, o primeiro sendo o fundamento do outro, e o segundo sua posta em obra em nós e por nós.
A própria virtualidade tem uma tripla relação com o infinito. Primeiro é uma determinação de uma potência infinita: e sabemos bem, como Bergson o mostrou em textos célebres, que esta determinação só se realiza retrospectivamente e por referência a uma existência real, da qual foi preciso primeiro ter a experiência. Mas esta possibilidade assim determinada não é porém a virtualidade desta existência particular com exclusão de toda outra; é a virtualidade de uma infinidade de existências semelhantes que poderão ser reproduzidas, mas que não são porém exatamente semelhantes, a virtualidade fornecendo apenas uma espécie de esquema que deverá receber cada vez uma forma individual e única, segundo as circunstâncias de tempo e de lugar. De tal sorte que esta virtualidade infinitamente disponível, e que é por assim dizer uma infinidade de extensão, deverá se realizar cada vez num indivíduo concreto, portando nele uma infinidade de expansão: duas formas de infinidade inseparáveis e que se compensam.